domingo, 3 de abril de 2011

O dia do Juízo Final da rua de baixo

O dia do Juízo Final da rua de baixo


Uma das fotos que vi no blog e que me emocionou foi a antiga delegacia de polícia porque ficava em frente da casa em que morei desde a infância até a adolescência quando saí para estudar fora. A partir de então embora continuasse sendo meu domicílio, somente morava aí nas férias escolares e, por fim, menos de dois anos entre 1964/65. Depois das últimas férias em 1968, quando voltei tudo aquilo havia desaparecido. A estrada (BR-230) passou em cima. Como na interpretação dos Demônios da Garoa de Saudosa Maloca, "É o progresso".

Pois bem, a foto me fez lembrar da Rua de Baixo, meu primeiro mundo. Tão pequeno que sou capaz de listar casa por casa com seus respectivos moradores. Aí vivi muitas experiência, umas boas outras nem tanto. Algumas tristes, outras muito engraçadas, como a que a seguir o relato.

Numa manhã dos anos cinquenta um soldado de polícia que acabara de fazer uma compra na bodega do meu pai, ao sair, pára no meio da calçada e olhando pro céu exclama: "Seu Zé venha ver uma coisa!" Sigo meu pai e juntos vemos três listas simétricas, mais parecendo tubos, de uma fumaça branca, que começava no horizonte ao norte e, numa rapidez incrível, avançavam na direção sul. De repente todos os moradores da rua de baixo olhavam aquela coisa estranha, atônitos e sem conseguirem entender o que se passava. Eram várias as opiniões e cada instante chegava alguém com explicações ouvida de outrem. Nada, porém conclusivo e aceito pelos presentes. Não sei precisar que idade eu tinha, mas, talvez não passasse de sete anos e assistia a tudo entre estupefado e assustado.

Muitas foram as especulações que ouvi, mas apenas uma informação que alguém com um binóculo, conseguira identificar algo como um "cata vento" (hélice) que girava em alta velocidade deixando atrás de si um rolo de fumaça. Entretanto, a informação mais chocante para minha pueril inocência foi dada por um rapaz de uns dezoito anos vindo da direção da casa paroquial: "Padre Andrade disse que pode ir ao cemitério que todos os defuntos estão sentados em cima de suas covas".

Era o juízo final!

Levou algum tempo até que alguém mais informado esclarecesse que se tratava de aviões a jato, oriundos da Base Aérea de Natal. Por muitos meses seguintes repetiram-se casos de desespero de homens e mulheres moradores de casas isoladas no campo que choraram e rezaram implorando a Deus o perdão dos seus pecados por ter chegado a hora do fim do mundo. Não faltaram também estórias de confissões de adulteras implorando o perdão aos maridos.



Miguel Romualdo Medeiros - Recife, 30/03/2011.

Um comentário:

  1. Belo relato, daria até para duvidar da sua autenticidade, se eu nao conhece-se os relatos da nossa região nordestina principalmente o interior onde tudo tem proporções imaginaveis, parabens pelo o blog...

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