sábado, 31 de julho de 2010

A PROMESSA


ESTAMOS NO ANO DE 1913

A vida na Vila de Santa Luzia transcorre pacata, o povo vive feliz. Pode-se até dizer que a felicidade mora ali.

Maria Amazile (Lia), menina moça nos seus despreocupados 14 anos, vive feliz no seio da sua família, sem preocupações senão ir à escola e ajudar a sua mãe, Donana, na criação de seus irmãozinhos, especialmente a mana Tereza, com apenas dois anos incompletos.


DE REPENTE, TUDO MUDA

Chega a notícia de que uma coluna de revoltosos se aproxima da Vila. Aí o medo. É que a coluna denomida "Os Franklins", numa revolta organizada com o intuito de depor o governo estadual, comandada pelos coronéis Augusto Santa Cruz e Franklin Dantas, se aproxima. Ela passa pelas cidades praticando absurdos, desrespeitando as famílias, saqueando. Partira de Monteiro, ocupara Patos, e marcha rumo a Santa Luzia.

Ao chegar aqui, os Franklins desarmam toda força policial, levando todas as armas e munição. Soltam os prisioneiros, alguns condenados, como João Carga D'Água, Antônio Germano e Bento quirino, homens que se incorporariam à coluna. O delegado Epaminondas Trindade, completamente indefeso, acha por bem dar no pé. De Santa Luzia a coluna segue para Soledade, São João do Cariri e, ao se dirigir para Campina Grande, já em Serra Branca, seria surpreendida por forças do Exército, que haviam sido requisitadas pelo Governo Estadual, e aí dissolvida.

Passada uma semana, por coincidência ou por haver tido conhecimento da passagem da Coluna Santa Cruz (assim, também chamada), Antônio Silvino com seu bando marcha rumo à terrinha. O cangaceiro havia criado um rancoroso ódio ao coronel Aristides, achando que era o responsável pelo trucidamento de seus cabras, Pimenta e Macambira que, desgarrados do seu grupo, ao passar pela Vila, foram presos.


A HISTÓRIA

Os dois vinham com muita sede, e ao se aproximarem de uma cacimba na beira do rio, para saciar a sede, foram avistados por um soldado que suspeitou deles, e deu voz de prisão. Na cadeia, confessaram quem eram e alegaram que tinham desertado do bando de Antônio Silvino no fogo da Pedreira - esse caso ocorreu possivelmente uns dois anos antes, portanto em 1910. Foram então tomadas as providências para levá-los dali. Aristides, chefe político, não queria aqueles homens perigosos na Vila. Por esses dias apareceu de passagem um tal de Tenente Tolentino, vindo do alto sertão com uma volante rumo à capital, que se prontificou a levar os dois cabras. Pediu o reforço de dois praças ao delegado prosseguiu a viagem levando os bandoleiros. Ao que tudo indica, logo que se afastou da Vila, ao passar pelo sítio Olho D'Água das Lages, vizinho ao sítio de Sebastião Félix, parou e mandou que os cabras cavassem uma cova, e, ali mesmo, atirou nos dois. Um deles ainda estava vivo quando foi sepultado. Mandou os dois praças de volta e prosseguiu viagem. Esses praças é que deram a notícia do ocorrido.

O sítio Olho D'Água das Lajes pertence hoje ao senhor Etevoldo Cabral que, dono de um coração muito grande, mandou construir um jazigo e uma capelinha no local onde os dois rapazes foram trucidados.


E AGORA, O PIOR

Quando Aristides tivera conhecimento da entrada de Antônio Silvino na Vila, mandara que pusessem uma cadeira na sua calçada, que era alta, bem acima do nível da rua, e, fumando seu charuto, aguarda a chegada do bandoleiro. Logo que se aproxima, Silvino grita:

- Desça daí, velho safado, pra morrer!

- Safado é você - responde Aristides - que sai por aí matando e roubando! Eu sou um homem honesto.

Silvino, muito irritado, puxa o velho e bate nele. Ameaça matá-lo e toda sua descendência. Aristides replica: "Bate e mata, mas mata um homem". Silvino age livremente, não encontra nenhuma resistência, pois a polícia está completamente desarmada. Sai batendo e humilhando Aristides pelas ruas.

Ao passar pela frente da casa de Manuel Emiliano, pessoa importante na Vila e bem acatada por Silvino, Yayá sua esposa sai de casa e implora ao cangaceiro, dizendo ser o coronel inocente do caso, e pessoa muito boa querida de todos.

Aristana acompanha Antônio Silvino que arrasta seu pai pelas ruas e sua presença, de certo modo, evita que o cangaceiro acabe de vez com a vida de Aristides. O cangaceiro, em seu código de honra, tinha um respeito todo especial pelas virgens e pelos sacerdotes, não permitindo que nenhum de seus cabras faltasse com o respeito a essas pessoas. Aristana, além de virgem, é uma mulher muito bonita, olhos grandes, todo tempo junto ao pai, sofrendo e implorando clemência. Impressiona Antônio Silvino e seus homens a coragem e perseverança daquela jovem com um xale preto na cabeça protegendo os cabelos grandes e negros. Com sua fala mansa ela implora e chora:

- Capitão, pelo amor de Deus, atenda meu pedido, não mate meu pai!

O coração da fera estremece, não tem como faltar. É muito forte a emoção ao pedido daquela jovem.

Lá na Carnaúba, o maestro Ezequiel Fernandes tem conhecimento de que estava ocorrendo com seu sogro e amigo. Desce do Alto da Boa Vista para lhe dar apoio. No caminho fica sabendo que os bandoleiros amassaram e quebraram os instrumentos da banda, da qual é o maestro. Ao cruzar o Rio Quipauá, tem um enfarto e ali mesmo entrega sua alma a Deus.

Por prevenção, temendo as ameaças do cangaceiro, pessoas aconselharam que Zezé - que era genro de Aristides - retirasse a família de casa para evitar maiores vexames. Ele ouviu o conselho e levou a família para a casa de Manuel Emiliano. Lá, acomodados em um quarto, ficaram aguardando os acontecimentos. Maria Amazile (Lia), porém, não suporta aquela humilhação, sai e vai para o quintal da casa de Joaquim Berto, seu avô.

Muito preocupada e sofrendo pelas notícias que chegam aos seus ouvidos, pede auxilio dos céus. Devota de Nossa Senhora Auxiliadora, faz-lhe uma súplica e promete que se Nossa Senhora fizer com que Antônio Silvino vá embora sem matar e sem causar maiores danos, ela irá trabalhar e, com o ganho do seu trabalho, comprará sua imagem para que seja colocada no altar, que ainda está vago.


E acontece: o bandoleiro afasta-se, Aristides, muito machucado, resistiria aos mal tratos sofridos.






PASSA O TEMPO, CHEGAMOS A 1914

Lia se casa com Zé Ferreira, não esquece o compromisso com Nossa Senhora. O matrimônio nada muda na sua decisão de pagar a promessa que fizera para salvar Aristides e a cidade da sanha do cangaceiro. Vão residir no Fechado - Zé Ferreira como administrador da fazenda de Quinca Berto, avô de Amazile. Lá, nas horas vagas, ela faz queijo e guloseimas que manda vender no Espírito Santo - Ouro Branco - e daquela vendagem tira as despesas e tudo sobra vai sendo amealhado para pagar a promessa.

Volta para Santa Luzia. Seu tempo é exíguo. Nos 10 anos de casada, pare dez filhos. Mesmo assim, no pouco tempo que lhe resta, trabalha fazendo pirulitos e outros quitutes que manda vender. Observe-se que seu marido, Zé Ferreira, tinha boa situação financeira, mesmo assim, Lia, para o cumprimento de voto à Santa, nunca quis receber nada do esposo.


E O TEMPO PASSA

Chegamos ao ano de 1924. Lia grávida. Fim do ano, Zé Ferreira, que pelos seus negócios sempre viaja ao Recife, está com uma viagem marcada. Lia se dirige ao marido, querendo que ele compre uma imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, para ser posta no altar. Entrega ao marido o dinheiro que juntara com seu trabalho, mais que suficiente para a compra da imagem.

- Mas Lia - diz ele - eu não quero seu dinheiro. Eu posso comprar essa imagem para você!

- Mas Zé Ferreira, é um compromisso com Nossa Senhora.

Ela conta toda história ao marido. Ele concorda, viaja ao Recife. Traz a imagem. Conversam com o vigário, padre Belisário, e a imagem é posta no altar no lado esquerdo da nave da igreja.




ESTAMOS EM 16 DE MAIO DE 1925

Lia está para descansar e, na noite de 16 para 17, dá a luz a uma menina que ganha o nome de Maria Amazile - Maria Novinha para os irmãos, e acontece o pior. Lia não resiste e é levada à presença do Senhor. Muita dor, muito sofrimento, todos choram e lamentam a tragédia. Mas é a vontade de Deus. Ela, apenas uma menina, com seus 27 anos, sucumbe. O destino? Desígnios do Senhor?

A primeira missa celebrada no altar onde foi posta a imagem de Nossa Senhora Auxiliadora foi a missa de corpo presente de Maria Amazile de Medeiros Ferreira - Lia.

E essa imagem, meus irmão, que vocês estão observando aí na frente, é a Nossa Senhora da minha mãe e tem muito a ver com todos aqueles que descendem de Lia.




Lia, que Deus te abençoe.

Minha benção, minha Mãe.




Mário Ferreira de Medeiros

Santa Luzia, julho de 2009.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Santa Luzia - A Nova Cidade Sagrada


Jornal O Norte (08/03/1975)

Texto: Armando Nóbrega

Fotos: Martinho Fábio




Um clima de misticismo apoderou-se da cidade de Santa Luzia desde a última noite do ano passado quando o vigário Jerônimo Lawen morreu em um acidente na estrada. De origem holandesa ele sempre lutou contra o fanatismo religioso, no entanto, já está sendo fervorosamente cultuado como o mais novo santo do interior nordestino.



A mais próxima cidade do sertão paraibano, Santa Luzia, está se tornando fortemente um centro de peregrinação, desde a noite de 31 de dezembro último, quando morreu em acidente automobilístico, o vigário local, Jerônimo Lawen, de nacionalidade holandesa. No local da morte à margem da estrada de barro que vai à vizinha cidade de Várzea e no túmulo aberto no interior da igreja matriz, são patentes os sinais de um efetivo processo de mitificação, ironicamente desencadeado sobre um sacerdote progressista que combatia, o misticismo nordestino, ao ponto de dificultar as missões de frei Damião na cidade.

Os rumores de milhares e graças alcançadas se tornam persistentes a cada dia, aumentando o número de devotos que rezam e acendem velas, tanto na cruz à margem da estrada, como no túmulo do padre.

Diariamente, quase todos os habitantes amanhecem narrando sonhos, cujo protagonista principal, o padre Jerônimo, teria pedido preces, dado conselhos ou repreendido comportamentos abusivos.


Desorientação Coletiva

Na noite em que o pároco morreu, observou-se um dos raros momentos de pânico coletivo em pequenas comunidades. As festivas comemorações de passagem de ano transcorriam alegremente quando a notícia explodiu provocando uma espécie de loucura em massa que somente foi controlada com a chegada, já a alta hora da noite, do bispo de Patos, Dom Expedito de Oliveira. As mulheres corriam chorando e os homens discutiam aos gritos, o que fazer do corpo.

As discussões tentavam definir onde seria sepultado o morto que a estas alturas, já deixava de ser o vigário querido para assumir, nas mentes conturbadas, a imagem de um santo ou de um personagem estrangeiro, que deveria ser entregue a família, a ordem religiosa ou ao seu país. Os rádios amadores lutavam contra o tempo, tentando comunicação com autoridades em Olinda ou Fortaleza, a fim de providenciar o embalsamento que possibilitasse uma viagem até a Holanda.


Ameaça de Linchamento

Um grupo de rapazes que havia bebido em excesso ainda chegou a ameaçar de linchamento, ao motorista que conduzia o veículo causador do acidente, Edson Cirilo, hospitalizado em estado de choque.

A missa de passagem do ano em Santa Luzia, que seria celebrada pelo padre Jerônimo, transformou-se em missa de corpo presente, oficiada por dom Expedito e assistida por uma população semi enlouquecida.

Desde o início do ano, o bispo da Diocese procura um novo pároco para Santa Luzia, que de acordo com o desejo dos paroquianos, deverá ser holandes, mas até agora não apareceu um de qualquer nacionalidade. Enquanto isso, quase 30 mil católicos das cidade de Santa Luzia, Várzea e São José do Sabugy, integrantes da Paroquia, estão sem assistência permanente de um padre.


Pelo Brasil na Alemanha

Apesar de seus 60 anos, padre Jerônimo identificava-se mais com os jovens, a quem dedicava grande parte do seu lazer. Em conversas que se prolongavam até a meia-noite, os jovens ficavam conhecendo novas facetas da religião, bem como os costumes holandeses. Ele assistiu diratamente na Alemanha vários jogos da última Copa do Mundo, e quase sempre torceu pelo Brasil.


Quando ele dificultava a vinda de frei Damião à cidade, discordando da difusão do misticismo entre os sertanejos, já bastante atormentados pelas superstições, os mais fanáticos argumentavam que a causa de tudo era inveja pela popularidade do frade franciscano.


Os que conheciam de perto a natureza do padre holandês sabiam que ele não dava a menor importância a honras pessoais, com o seu modo de pensar quase se aproximando dos ideais "hippies" e um certo despreendimento aos valores sociais estabelecidos, pelo menos para a região.


Fugindo de Hitler

Seminarista, às véspera da Segunda Guerra Mundial, Johanes Cornelius Lawen, rebatizado Jerônimo no Brasil sofreu mais uma vez, as consequências da ocupação alemã em sua Pátria. Ele era um fumante inveterado que consumia mais de uma carteira de cigarros por dia e chegou a arriscar a própria vida, quando, no tempo so Seminário, fugindo de um bombardeio, parou para apanhar uma caixa de tabaco e quase foi atingido. Em outras ocasiões conseguiu ultrapassar sérios perigos de vida, e, no entanto, morreu num acidente em que os demais passageiros apenas sofreram escoriações leves.

O sepultamento do padre Jerônimo na matriz de Santa Luzia foi feito em comprimento a sua própria vontade. Quando ele chegou da Europa em novembro passado, teria comentado: "Estou completamente desligado da Holanda. depois que perdi pai e mãe, minha terra agora é Santa Luzia. Aqui morrerei e serei sepultado.

A 10 quilometros de Santa Luzia, na margem direita de quem vai à Várzea, já esta sendo construída uma capela cujos recursos financeiros foram obtidos junto às Prefeitura da Paróquia, e todos os habitantes do Vale do Sabugy. A obra está sob supervisão de representantes do Rotary Club local, e recebe apoio direto de dom Expedito de Oliveira que prometeu mandar celebrar missas periódicas no local, denominado Fazenda Umburana.


A rotina da espera

Os habitantes de Santa Luzia, agora já conformados com o brusco desaparecimento do padre Jerônimo continuam sem sacerdote, apesar dos ingentes esforços do Bispo da Diocese. Enquanto isso, em sua rotina de cidade pequena, eles vão relembrando cada gesto e palavra do bondoso padre, "galego queimado de sol, boa altura e fala engraçada", conforme descrição de um sertanejo. A esperança é de que um novo padre holandês venha substituir ao padre Jerônimo.

domingo, 25 de julho de 2010

Aniversário de 80 anos de minha esposa Alziva

Andava sem rumo quando encontrei Alziva. Havia saído de um determinado tipo de vivência, para outro completamente diferente. Fiquei perdido, não conseguia me adaptar. Foi então quando resolvi casar, casei, enfrentei a tudo e a todos. E Alziva foi o farol que guiou os meus trôpegos passos.

Uma mulher pequena - é porém nos pequenos vasos que se guardam as melhores essências - e no entanto uma criatura forte, determinada e capaz de enfrentar todas as vicissitudes da vida.



Meu viver foi trabalhar e trabalhar, sempre ausente da criação dos filhos. E ela os criou e como criou, todos nossos rebentos que hoje estão aqui para homenagea-la. Enfrentou sozinha todo tipo de adversidade que surgiam sempre com coragem e resignação. Nas doenças e nos problemas que apareciam na vida de cada criança.


E agora ela esta alcançando essa bonita idade, podemos começar uma vida nova sem obrigações e sem preocupações, procurando viver mais para agradecer ao Divino por tanto que deu até hoje e usufruir um grande amor aos nossos queridos netos.


Alziva, é uma figura ímpar. Hoje que nossos filhos e eu estamos aqui para dar o testemunho desse reconhecimento que que é mais que merecido.
Alziva que Deus que te proteja e abençoe.
João Pessoa, 29 de Janeiro de 2007.
UM BEIJO
MÁRIO





terça-feira, 20 de julho de 2010

Santa Luzia do Quipauá


Antigamente, quando o território do município de Santa Luzia englobava os atuais municípios de São Mamede, Várzea, São José do Sabugy (!) e Junco do Seridó, fazia sentido se fazer uma referência ao Rio Sabugy, seu pretenso maior curso d'água.
O equívoco, provavelmente, provém do fato de um antigo mapa do IFOCS, de 1913. Elaborado por alguns ingleses, mostrava o Rio Quipauá como afluente do Rio Sabugy. Verificando os mapas atuais, mesmo com o olho de leigo, constata-se que nem uma gota d'água do município de Santa Luzia vai para o Sabugy.
Os dois rios nem se tocam!
O Quipauá tem sua origem na confluência dos rios Chafariz, do Saco e Riacho do Fogo, mais ou menos onde foi construído o açude José Américo (Açude Novo), seguindo em direção ao norte passando por Ouro Branco - já no Rio Grande do Norte - e desembocando no Rio Seridó, pela Barra Nova, no município de Caicó, onde serve o açude Itans com a água da terra de Isidoro Ortins e Geraldo Ferreira da Neves. Daí, talvez, a indissolúvel ligação do povo, além do fato de serem todos Medeiros, portanto, parentes.
Já o Sabugy nasce na Borborema, no território de São Mamede, segue por Ipueiras, São João do Sabugy e desemboca no Seridó muito a jusante do Açude de Itans, perto de São Fernando, já a procura do Rio Piranhas.
Historicamente existem inúmeras referências sempre ligando Santa Luzia do Quipauá. Por exemplo, no livro de Olavo Medeiros, Cronologia Seridoense, e em outras menos célebres. Aliás, dizem, está até na própria sertidão de nascimento da cidade, quando Geraldo Ferreira das Neves cedeu um pedaço de terra para o patrimônio da igreja, mas isto é assunto para historiadores.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Almanque do Quipauá

O Almanaque do Quipauá reúne crônicas, contos, causos e perfis, misturando as vertentes de ficcionista e historiador e, de maneira divertida, ajuda a montar o mosaico a história de minha Santa Luzia, tida como Sabugy, mas que eu reivindico do Quipauá, apontando, nestas páginas, o equívoco.

Publicado em Setembro de 2008.

Diagramação e editoração: Carmélio Reynaldo Ferreira; ilustração e fotos: arquivo da família, Ernesto Mayer, José Mário Ferreira, João Arthur Ferreira e Francisco Roberto Ferreira.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Serra Velho

Serra Velho
(Jornal O Norte - Hugo Moura)
(Data desconhecida)

Dentre as manifestações popular ligadas a Quaresma se destaca o serra velho, hoje praticamente desaparecido, mas que já ocupou lugar de importância nos festejos da época.

Elemento integrante do folclore religioso, existe no Brasil, e (não somente aqui) ao lado do catolicismo nitidamente particular, por alguns autores denominado catolicismo rústico.

O "Serra Velho" ou "Serração de velha" é um remanescente da nossa herança portuguesa.

Assim escreve Luís Edmundo em "O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis".

"Não se pode afirmar, exatamente, como e quando vierem parar no Brasil as folias portuguesas da Serração da Velha. O que se sabe é que as crónicas coloniais do começo do século XVIII, já delas nos falam com entusiasmo, embora sem demasiada frequência.
Eram festas de rua, festas do poviléo dos raros sorrisos da cidade infeliz".

No CANCIONEIRO DO NORTE, Rodrigues de Carvalho quando se refere ao Serra velho, afirma "É uma variante das janeiras de Portugal" (pg. 84 - 3° ed.).

Aceitas as raízes portuguesas, um longo caminho tem que ser percorrido para determinar suas origens, o que ocorrer sempre que se pretende um estudo profundo do folclore e este caminho muito poucos têm condições de vencê-lo

Uma das melhores descrições da "SERRAÇÃO DA VELHA" é a de Luiz Edmundo, dele transcrevemos os trechos que se seguem... "nas ruas a patuleia influída organiza-se em bando para as folias atordoantes da Serração da Velha.
Esses conjuntos pitorescos de foliões sempre variam na sua apresentação luxuosa... ou modestamente se serrava, ainda, na indumentaria esfarrapada dos pobrezinhos com dois ou três instrumentos apenas como música.

O prestito larga ruidosamente ao som das músicas conhecidas e cantadas por todos:
Serre-se a velha
força no serrote,
Serre-se a velha,
Dentro do pipote.

Seguindo as pegadas dos instrumentistas, vai um estrado tosco, rastefeito ao chão, e que se rola pousados sobre quatro rodas, curtas, mas fortes. No estrado está uma pipa em cujo interior - diz o povo - vai oculta uma velha condenada ao suplício do serrote.

Esta velha tem malícia,
Esta velha vai morrer;
Venha surrar a velha,
Minha gente venha ver...

Conta-se que a ingenuidade feminina da época era tão grande que as velhas havia que se negavam, com insistência, isso pelas horas da passagem dos prestitos, tremulas, sucumbidas, medrosas, receando que a farandulagem das ruas as obrigasse a ir também no pipote, em charola, sofrer cruel suplício da serração.

Os cânticos são gritados, berrados em coro:

Serra, serra, serra a velha,
Puxa a serra, serrador,
Que esta velha deu na neta
Por lhe ouvir falar de amor.

Serra, ai serra! serra a velha
Puxa - aí! puxa serrador
Serra a velha - ai, viva a neta
Que falou falas de amor

Serra! a pipa rija
Serra! - a velha é má;
Serra! - a neta é bela;
Serra! e serra já.

E o poeta então pergunta, perorando, já meio fatigado de voz:
Que castigo ela merece?
Dizei-me, senhores meus?

Entram as músicas, e logo o coro responde, alvoraçado e barulhento:

Serre-se a velha!
Força no serrote!
Serre-se a velha!
Dentro do pipote!

Na bibliografia folclórica da Paraíba encontramos a seguinte referência ao Serra Velho.

"Pela quaresma é o serra velho: um bando de vadios conduz barricas, serrotes e chocalhos, e às horas mortas estaciona à porta dos velhos mais rabujentos e jarretas, e improvisam versos picarescos, numa algazarra infernal, com exclamações, choros fingidos e tantas outras graçolas, supinamente agressivas a quem já desce os últimos barrancos da encosta da vida". (CANCIONEIRO DO NORTE, 3ª ed. pg. 84).

Visando evitar abusos a polícia proíbe o aparecimento do cortejo na quarta feira de trevas, dia em que ele vem à rua, não é novidade entretanto que sua exibição termine com atos de violência.
Lemos em "O TAMBIÁ DE MINHA INFÂNCIA" de Coriolano de Medeiros, página 42.

"Choviam pedradas nas portas e portões, e ouviam-se lamurias, as serrotagens, o ruído surdo de enxadas a cavacar, enfim toda cerimónia burlesca e ruidosa do serra velhos, não raras vezes epilogadas em conflitos sangrentos".
Já era assim no fim do século passado... (século XIX)¹.

Costume perpetuado através de gerações, o serra velho ocorre não somente na capital, mas também no interior, temos o registro a sobrevivência do serra velho Estado, desde o litoral até o sertão, sua presença, pode enfim, ser constada em todas as áreas culturais da Paraíba.

É entre a população rural que se manifesta com maior frequência a prática do "catolicismo popular" por razões várias, como sejam: a dispersão da população e sua extraordinária mobilidade, a falta de padres, etc". A função do catolicismo na sociedade rústica, brasileira, é antes social do que propiamente religiosa, assim se compreende que seja ampla sua área de difusão.

Sem pretendermos tirar conclusões seja de natureza nitidamente folclórica, sociológica ou outra, temos que ressaltar o carácter de manifestação ferina e de desapreço, como uma das características do serra velho.
Em José Lins do Rego se encontra mais uma referência ao fato, onde aparece os versos que todos conhecemos.
"Serra, serra, serrador
Serra a madeira de Nosso Senhor"

Em "FOGO MORTO" (pg. 243), está escrito:
"Uma noite, porém, todos já estavam agasalhados, depois das orações puxadas da quarta feira santa, quando se ouviu barulho no terreiro. Era gente, em conversa alta. E qual não foi a sua surpresa quando escutou um grito de deboche.

Pega a velha, vamos serrá-la. Lula, levantou-se sem saber o que era, e quis abrir a porta. Já se ouvia a serra na madeira, chiado de serrote, e a gritaria da canalha.
Serra a velha serrador
Era a maior miséria que podiam fazer. A canalha do Pilar passava por ali para fazer aquilo".

Assim era o serra velho, deboche da canalha, numa visão do romantismo paraibano.

¹ - Nota do autor.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Um Conto que não Vale um Conto


Minha segunda publicação foi "Um Conto que não Vale um Conto" impresso pela Editora Universitária da UFPB - Autor Associado entre o final de dezembro de 2002 e inicio de janeiro de 2003.
Quando pensei em escrever esse conto relatando meus devaneios da mocidade, aproveitei para envolver meus filhos e netos nestas aventuras fictícias. E assim entraram no conto, Matheus, Thiago e Bruno (filhos de Zé Mário e Socorro); André, Marília e Guilherme (de João Arthur e Graça); Rafael e Lorena (de Reynaldo e Lúcia); Maria Rita e João Otávio (de Amazile e Ernesto); Diana e Alice (de Maristela e Nilton); Mario Neto e Nathália (de Marco e Rosalba); Luca (de Leonardo) e por fim Jéssica e Matheus (Adel e Itamar).
É uma aventura ao redor do globo baseada nas minhas leituras feita numa época em que não tinha ainda a televisão e os livros e revistas chegavam muito pouco nas cidades do interior.