quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A ESTÓRIA DO MENINO CHAMADO CHICO



A Estória do Menino Chamado Chico

Francisco Cabral Bezerra, mais conhecido pelo apelido de Chico de Jacinto, é um moço quieto, tímido, educado e muito trabalhador. Não foi de estudar, mas nunca se negou a prestar um favor a parentes e amigos.
Mesmo sendo Católico Apostólico Romano, como seu pai e seus irmãos, Chico também gostava de ajudar a sua mãe durante os rituais de Candoblé. Ela era conhecida por Jovi e era Mãe de Santo de um terreiro de Umbanda ao lado de sua casa. Diferente dos seus irmãos, Chico a ajudava na limpeza do salão entre outros afazeres.
Quando algum dos tocadores de tambor faltava Chico era chamado para substituí-lo durante as realizações dos rituais. Ele gostava disso, pois ao final dessas cerimônias sempre algum dos participantes lhe dava uns trocados em gratidão pelo batuque.
Esse terreiro era formado por dois cômodos, um grande salão onde se realizavam os rituais e um pequeno quarto onde era guardado as obrigações da Mãe de Santo. Esse recinto é considerado um lugar sagrado para os Umbandistas e só poderiam entrar nele pessoas autorizadas pelos "Santos da Casa". Já o salão era um lugar bastante arejado, principalmente nas noites de calor, devido às amplas janelas e ausência de móveis no local.
Nas noites de muito calor, Chico costumava ir dormir ali, armando a sua rede e podendo se balançar à vontade. A sua mãe não reclamava, apenas dizia que nunca fosse dormir lá com bafo de cachaça e muito menos bêbado, porque os Santos não gostavam.
Numa certa noite de tempo quente e parado, sem uma brisa sequer e sem luar, Chico chega em casa por volta das 11 horas, depois de ter bebido umas e outras com uns amigos na rua. Resolve ir dormir no terreiro e pra lá leva sua rede, amarra nos caibros e se deita todo esquecido dos avisos de sua mãe. Logo pega num sono profundo.
Por volta da meia noite, Chico acorda com a rede balançando sozinha, pouco depois pedras e cacos de telha são jogados de dentro do quarto dos Santos, lá dentro uma barulheira danada, fazendo com que todos os seus cabelos ficassem de pé. Nessa hora, Chico dá um pinote mais rápido que um gato quando avista cachorro, desarma sua rede e sai correndo e ainda sendo alvejado por mais algumas pedradas.
Entrou em casa voando e foi dormir no chão do terraço de sua casa. E depois disso, nunca mais entrou no terreiro quando tomava umas cana.
Francisco Roberto Ferreira
Julho/2009.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

ZÉ MARIA

José Maria Ferreira de Araújo
Constava no antigo Dossiê como Edson Cabral Sardinha.
Militante da VANGUARDA POPULAR REVOLUCIONÁRIA (VPR).
Nascido a 6 de junho de 1941, no Ceará, filho de João Alexandre de Araújo e Maria da Conceição Ferreira Araújo.
Desaparecido desde 1970.
Foi condenado pela Justiça Militar a 5 anos e 1 mês de prisão pela 1ª Auditoria da Marinha, enquadrado na Lei de Segurança Nacional.
Preso no dia 23 de setembro de 1970 pelo DOI/CODI-SP, levado imediatamente às câmaras de tortura, morreu em consequência da violência das mesmas.
Vários presos políticos testemunharam as torturas e sua morte, podendo identificar como seus torturadores e assassinos: capitão Benone Arruda Albernaz, capitão da PM Tómas Paulino Rosa, investigador da Polícia Federal Maurício José de Freitas, delegado de polícia conhecido como "Dr. Raul", soldado da PM-SP conhecido como "Pedro DKW" e sargento da PM-SP Paulo Bordim.
O paradeiro do preso político José Maria Ferreira de Araújo foi descoberto nos arquivos do IML/SP, onde constava ter sido enterrado com o nome falso de Edson Cabral Sardinha na quadra 11, sepultura 119 do cemitério de Vila Formosa I.
No laudo necroscópico, o nome de Edson Cabral Sardinha é identificado por um "T" em vermelho (de Terrorista) para diferenciar dos demais corpos que por lá passavam. A solicitação do DOPS dá como histórico, que Edson havia morrido de "mal-súbito". O legista encarregado da perícia, Sergio Belmiro Acquesta, concluio que a morte era por causa "indeterminada", apesar dos vários exames feitos. As fotos do cadáver mostram claras marcas de torturas, que comprovam as denuncias de seus companheiros de prisão.
Casado com Soledad Barret Viedma, que foi morta em janeiro de 1973 em Pernambuco, junto com outros companheiros delatados pelo cabo Anselmo, agente infiltrado nas organizações de esquerda.
Em pesquisas do antigo DOPS/SP foi encontrado uma solicitação do Coronel Lima Rocha com o seguinte teor: "solicito remeter possível urgência foto, ficha datiloscópica, , exame necrológico e atestado de óbito do terrorista morto em set/70, conhecido (grifo nosso) como Edson Cabral Sardinha (Aribóia)".
Neste mesmo arquivo foram encontradas fichas de Edson Cabral Sardinha e José Maria Ferreira de Araújo, com o mesmo apelido de "Aribóia" e fotos, e que mostra que era possível verificar a verdadeira identidade do morto.
Quanto às circunstâncias em que se deu sua morte, também nos arquivos do DOPS/SP encontram-se documentos contraditórios como a resposta do Delegado do DOPS Alcides Cintra Bueno Filho ao Coronel Lima Rocha, chefe da 2ª Secção do II Exército, onde lê: "...falecido em consequência de violento tiroteio que travou com agentes dos órgãos de segurança", e a requisição do exame necroscópico, assinada pelo mesmo delegado em que diz: "tendo sido preso por atividades terroristas faleceu ao dar entrada na Delegacia Distrital presumindo-se mal súbito".
Coincidentemente a Delegacia Distrital onde de José Maria deu entrada é a da Rua Tutóia, ou seja, a OBAN.
Documentos datados de 7 de janeiro de 1971, também assinado pelo Delegado Alcides Cintra Bueno Filho e encontrado nos arquivos do DOPS/SP diz: "...não foi instaurado inquérito policial a respeito do óbito, dada a flagrante evidência da naturalidade do óbito. diante do exposto, determino o arquivamento do presente protocolado no Arquivo geral deste Departamento, para fins de prontuário".
O Relatório do Ministério do Exército diz que ele "utilizava-sedo nome falso Edson Cabral Sardinha. Existe registro de sua Certidão de óbito n° 31.153, livro 43-C-C-folha 124-V, expedida em 12 de julho de 1972, pelo Registro Civil do 9° Distrito Policial de Vila Mariana em São Paulo".
Encaminhou-se uma petição para o reconhecimento de sua identidade. Mas a sentença do juiz negou a petição por falta de corpo. Seus restos mortais não foram encontrados porque houve alteração da quadra onde ele foi enterrado.
De seu irmão, Paulo Maria Ferreira de Araújo:
"Meu irmão era marinheiro da Marinha do Brasil e servi no Rio de Janeiro desde 1959. O restante da família morava em Santa Luzia, na Paraíba. Mantinham contato com José Maria através de correspondências e, em fevereiro de 64, esteve em férias com a família. Nessa temporada José Maria colocou a família a par de sua participação junto a movimentos sindicalistas, levando inclusive consigo vários livros acerca de questões sociais. Ele pretendia, junto com outros marinheiros, criar uma instituição denominada Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, no que eram apoiados pelo sindicado dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro. Esse tipo de Instituição era proibido pelas Leis da Marinha.
Assim que foi deflagrado o golpe militar de 1964, José Maria e outros companheiros foram presos por 'insubordinação', tendo ficado incomunicável na Ilha das Flores, durante 4 meses. Nossa família soube da sua prisão através da sua noiva, que morava no rio de Janeiro.
Num documento dos arquivos da Marinha, denominado 'Caderneta de Registro para Praça', consta a anotação de que, em 15 de abril de 1964, José Maria foi preso "por ordem do encarregado do inquérito policial militar para apurar a subversão na Marinha". Na mesma caderneta consta a anotação da expulsão de José Maria da Marinha em 8 de dezembro de 1964, tendo sido apresentado nesta data ao CAM - Centro de Armamento da Marinha. Durante esse período de prisão, nossa família recebeu uma carta que José Maria fez chegar às mãos de amigos, na qual pretendeu tranquilizar os familiares, nenhuma referência fazendo à prisão.
Tivemos conhecimento de que ele, por um período, teria trabalhado como metalúrgico na CBV - Companhia Brasileira de Vagões. A última carta que recebemos data de 6 de dezembro de 1966, que a família conserva até hoje. Nessa carta já assinada com seu 'codinome' Miguel, e confirma que não poderia fornecer seu endereço por não ter residência fixa. Afirmava que teria de passar alguns meses sem mandar notícias, não dizendo no entanto o motivo.
A partir daí, e durante um bom período, nossa família percebeu que suas correspondências estavam sendo violadas e, embora morassem numa cidade do interior, ouviam comentários acerca do fato de José Maria ser "terrorista". Passamos a viver sob muita tensão e medo.
Por volta de 1981, com o retorno ao país de alguns exilados, é que comecei a ter informações mais concretas a respeito da história do meu irmão. A primeira informação veio com um artigo assinado por Paulo conserva, no Jornal "A União", de João Pessoa, publicado em setembro de 1983. Paulo Conserva esteve exilado em Cuba, e nesse artigo faz referência a 'um paraibano de de Santa Luzia, José Maria, brutalmente torturado e assassinado entre dezenas de outros companheiros'. A notícia foi um choque para a família. Logo conseguimos um contato pessoal com Paulo Conserva, que prestou um depoimento de quase duas horas, no qual relatou que estivera com José Maria em Cuba, que este havia se casado com uma paraguaia e que tinha uma filha. Relatou ainda que recebera informações de companheiros que haviam chegado do Brasil em Cuba, que relatavam sobre a prisão de José Maria. Deu conhecimento ainda à família de queele usava os codinomes de 'Aribóia, ou Araribóia'. Relatou o trajeto de sua prisão.
FONTE: Grupo Tortura Nunca Mais - RJ.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A MATRIZ DE SANTA LUZIA NA MINHA VIDA

A Matriz de Santa Luzia na Minha Vida Antigo altar da Igreja de Santa Luzia




O que guardo "dela" desde a minha infância, a partir dos meus quatro anos de vida.

Um passado que já se foi, mas que ainda vive na nossa mente, precisa ser partilhado com os outros para que, na nossa humildade, nossa história não venha desaparecer conosco.

Daí porque, eu resolvi juntar essas notas esparsas e o que tenho na minha memória, num só caderno, desejando que alguém queira se dar o trabalho de lê-las e tire algum proveito. Pode até ser que a nossa Paróquia encontre nele algo de útil para colocar no seu livro de tombo.


Início Santa Luzia, 21/01/2002.




Capa


TUDO PARA JESUS, MARIA E JOSÉ



Teresa de Jesus Medeiros

Edição em fotocópia - Novembro de 2002



terça-feira, 19 de outubro de 2010

Itaquatiaras so Seridó Paraibano

Itaquatiaras do Seridó Paraibano
Itaquatiara da Pedra Lavrada (São José do Sabugi - PB)
Foto: João Marinho de Morais Neto
Este trabalho é um cadastramento e estudo preliminar dos principais sítios arqueológicos e inscrições rupestres localizadas no Seridó Paraibano, realizados pelo geólogo João Marinho de Morais Neto, da PETROBRAS.
O trabalho vem aumentar a bibliografia, relativamente escassa, nesse campo da Arqueologia da Paraíba. Na verdade, além dos trabalhos iniciais desenvolvidos por Luciano Jacques de Morais, León Clérot, Ruth Trindade Almeida e dos estudos inédidos feitos por Azevedo Dantas, nos anos 20, cujos originais se encontram no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, só havia alguns artigos tradicionais, a maior parte fantasiosos, concentrados sobre Itaquatiaras do ingá. Exceção seja feita aos resultados das últimas e excelentes pesquisas no Sedidó e no Nordeste, conduzidos pela Dra. Gabriela Martin Alves, da Universidade de Pernambuco e ex-presidente da SOCIEDADE DE ARQUEOLOGIA BRASILEIRA.
O autor, JOÃO MARINHO DE MORAIS NETO, é estudioso paraibano nascido em Santa Luzia que, desde de pequeno notava com curiosidade, os letreiros estranhos que encontrava nos lajedos da sua região seridoense.
Formado em Geologia pela UFRG em 1987, ingressou no mesmo ano na Petrobras, onde atuou como geofísico nas bacias Barreirinhas, Potiguar e Ceará em projetos exploratórios e de integração regional. Obteve Pós-Graduação em Geologia Estrutural e Tectônica na UFOP (1999) e, retornando a Natal, participou como participante técnico em projetos de parceria com a UN-RNCE. Transferido para o EP-EXP em 2003, juntou-se ao grupo de interpretação da Margem Equatorial (águas profundas da bacia do Ceará), onde acompanhou projetos em parceria com universidades brasileiras. Atualmente concluio Doutorado na Austrália na área de Termotecnologia pela University of Queensland - St. Lucia Campus.
FUNDAÇÃO CASA DE JOSÉ AMÉRICO - Coleção José Américo - Volume V.
João Pessoa - PB - 1994

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O Som das Estrelas

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo".

Perdeste o senso! "E eu vos direi, no entanto",

Que, para ouvi-las muita vez desperto.

E abro as janelas, pálido de espanto...


E conversamos toda noite, enquanto.

A Via Láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.


Direis agora. "Tresloucado amigo!".

Que conversas com elas? que sentido

Tem o que dizes, quando não estão contigo?


E eu vos direi: "Amai para entendê-las!".

Pois só quem ama pode ter ouvido.

Capaz de ouvir e de entender estrelas.



Guilherme dos Santos Ferreira

domingo, 10 de outubro de 2010

RAÍZES DA INDÚSTRIA DA SECA

RAÍZES DA INDÚSTRIA DA SECA

O CASO DA PARAÍBA


Lúcia Guerra é graduada em História pela Universidade de Federal da Paraíba, e mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco.
Lecionou no primeiro grau na Escola Polivalente Presidente Médeci e na Escola Estadual de Segundo Grau Professora Úrsula Lianza, em João Pessoa. Em 1985, ingressou como professora na UFPB, campus de Campina Grande, e desde de 1987 atua no Departamento de História do campus de João Pessoa.
Integra o quadro de pesquisadores do Núcleo de documentação Histórica Regional (NDIHR), onde realizou estudos sobre a História da Paraíba, especialmente sobre os temas evolução industrial na Primeira República e criminalidade escrava no século XIX. Participou da coordenação dos projetos Cadastro de Entidades Paraibanas e o de Organização do Arquivo da Cúria Metropolitana da Paraíba.
Além de artigos em jornais e revistas especializadas, publicou A Coluna Prestes e a Paraíba (Ed. Universitária/UFPB, 1982) e o Catálogo dos Processos de Ordenação (Arquidiocese da Paraíba/NDIHR, 1992). Em co-autoria com a professora Zeluiza Formiga produziu o Guia e o Inventário do Arquivo Eclesiástico da Paraíba (Arquidiocese da Paraíba/NDIHR, 1992).
Atualmente desenvolve pesquisa sobre a Igreja na Paraíba para sua tese de doutoramento na Universidade de São Paulo.
Este trabalho foi elaborado originalmente como ilustração para o Curso de Mestrado em História na Universidade Federal de Pernambuco, em 1982, sob a orientação do professor Dr. Marc Jay Hoffnagel.
Raízes da Indústria da Seca na Paraíba é uma versão ligeiramente modificada da dissertação Estrutura de Poder e as Secas na Paraíba (1877/1922), com a incorporação de sugestões e alguns cortes.
Lúcia de Fátima Guerra Ferreira é natural de João Pessoa, casada com Carmélio Reynaldo Ferreira, nascido em Santa Luzia, Paraíba.
Impresso pela Editora Universitária/UFPB, em 1993.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

ALIMENTO DE PÍULA


Dia de sábado, dia de feira, dez horas da manhã, hora de maior pique. Edgard despacha no balção do estabelecimento comercial de seu irmão Milton Cirilo, onde há um grande movimento da freguesia. Chega no balção um rapazola, moreno escuro, cabelos encarapinhados castanhos claros, olhos claros e esverdeados, o tipo característico do habitante do Talhado, e pede: "quero alimento de píula".
Edgar pára um pouco, estranhando o pedido. Como, porém, é uma pessoa inteligente e argula, logo entendeu o que ele queria e pergunta:
- Da grande ou da média?
- Da grande.
Edgar entrega um par de elementos Ray O Vac, da amarelinha, que o rapaz pega, paga e sai feliz da vida.
Mário Ferreira de Medeiros - Almanaque do Quipauá (Setembro 2008).
Ilustação e montagem: Francisco Roberto Ferreira

sábado, 25 de setembro de 2010

TRADIÇÕES RURALISTAS

TRADIÇÕES RURALISTAS


MARCAS DE GADO, EXPERIÊNCIAS, CLIMA E OUTRAS HISTÓRIAS


É tradição legar a marca de gado aos descentes que recebem o mesmo nome do patriarca. O caso se repete na família Ferreira Tavares, já atingindo a quarta geração. À esquerda, José Ferreira Tavares (foto abaixo), primeiro da família no Brasil, que veio de Açores por volta de 1872. A marca que ele criou em 1886, ano da sua chegada ao Cariri paraibano, foi adotada por seu primeiro filho a nascer na Paraíba - José Ferreira Tavares Jr. Hoje é usada por um neto e pelo bisneto José Ferreira Tavares, filho do autor.



José Ferreira Tavares, José Ferreira Tavares Jr e José Ferreira Tavares (bisneto)



Aderaldo Ferreira



Aderaldo Ferreira é geólogo formado na UFPE, em 1962. Dedicou-se à Geologia Econômica, disciplina que lecionou no curso de Engenharia de Minas da UFPB (Campus II - Campina Grande), durante 15 anos. especializou-se em Gemologia na UFMG, fundou o Centro Gemológico do Nordeste, em Campina Grande, e foi coordenador até 1992, quando se aposentou.

Trabalhou na Sudene, ajudando a mapear o Nordeste, tendo elaborado, juntamente com seu colega de turma José do Patrocínio, a "Carta Geológica da Província Sheelitífera da Borborema", um marco na geologia regional. Naquela Superitendência trabalhou 15 anos, compondo mapas, fazendo pesquisas minerais, tendo chefiado uma cooperação internacional com a Missão Geológica alemã, entre 1969 e 1971.

Convidado pelo então reitor Lynaldo Cavalcante, integrou-se à UFPB, coordenando a criação do curso de Engenharia de Minas e iniciando ações no Nordeste para desenvolver o setor de gemas.

Durante os 35 anos que trabalhou para o governo em geologia, mineração e gemologia, publicou trabalhos técnicos e elaborou mapas geológicos.

Sempre foi ligado ao campo - pelo lado da mineração, por opção e vocação, pelo lado da pecuária, por tradição e amor. Nunca abandonou suas origens. Por conta dessa união atávica é que se aventurou a escrever "Tradições Ruralistas", abordando temas diversos, todos ligados ao campo, como a Heráldica Ruralista com seus sistemas de marcação de animais; as "experiências" para prever invernos; o complexo clima seco da região Nordeste, seu regime de chuvas, suas opções de água; e, finalizando, algumas estórias ligadas às temíveis estiagens que penalizaram o nosso povo, todas conservando aquela veracidade própria de um tempo que já passou, mas, com toda certeza, resguardando uma marcante realidade.
Impresso pela Editora Universitária - UFPB, em 1999.


domingo, 19 de setembro de 2010

GRAND CIRCO MANGAI OU MAGIA DO MANGAI


Um ambiente onde não tem espectadores e todos são "artistas". Ao penetrar naquele ambiente exótico, com iluminação fraca, à meia luz, sem no entanto impedir que você veja tudo ao seu redor, uma decoração peculiar nos transporta às caatingas do nosso sertão.

Um eterno zum zum, ruído provocado pelos que entram, pelos que saem ou pelos que saboreiam as delicias advindas daquela mesa repleta de guloseimas, local onde recebemos os fluídos encantados do deus da Gastronomia e nos transportamos.

Somos apenas mais uma, dentre de todas aquelas figuras que compõem o ambiente. É magia? É uma força enviada pelos seres espirituais? Não sei! Para entramos naquele ambiente recebemos um bilhete (cartão) que será nosso amuleto, passe para tudo que irá se desenrolar.

Mangai - Preta do cafezinho

Ao passamos por aquela preta simpática sempre a sorrir, ela nos impregna do misterioso fluído. O ambiente exótico, a iluminação sob palha, o zum zum, as pessoas vestidas a caráter, mocinhas sorridentes vestidas de Maria Bonita com a característica roupa cáqui e rapazes à la Lampião, vestidos com Zuartes, até David, o anão - um simpático garçom (que não teve tempo de crescer) - e o que é mais importante, a variada e saborosa comida. Tudo isso exerce uma influência no seu "eu", e quando deveríamos ser mais um expectador, passamos também a compor aquele "todo" e ser mais um personagem do espetáculo.

Então começa o show. Mas onde está o palhaço? Por mais que você o procure não vai encontrá-lo. Espera-se que ele apareça durante o espetáculo.

Apesar de toda exigência em relação ou como nós servimos, não reparamos que estamos sentados em uma cadeira de madeira rústica, com um acento de palha. Numa mesa mais rústica e sem toalha (onde naturalmente enxergamos uma toalha de linho bordada), Os copos onde seu suco é servido parecem replicas daqueles de 200 anos atrás.

Nada desaprova o misticismo do ambiente, e o espetáculo continua. Nos levantamos acompanhados dos nossos e nos dirigimos para a mesa dos mistérios. Quanta comida, quantas delicias, aí percebemos que não temos como saborear nem um quarto do que ali existe.

Como sair desse impasse? Encha o prato com tudo que puder, e volte a sua mesa rústica e se empanturre tentando saborear de tudo que você colheu.

Todos estão hipnotizados. A força do ambiente prevaleceu sobre todos e o espetáculo continua. Não tem estomago que suporte tanto. Você comendo e fazendo o "espetáculo". O tempo passa e ninguém repara. Finalmente quando o misticismo diminui, nos lembramos que tem uma vida lá fora e é preciso sair. Mesmo assim, ainda há muita relutância.

Levantamos e nos agrupamos próximo ao caixa, descontraidamente. Parece não querermos deixar aquele ambiente místico. Recebemos o bilhete que deveria ser o de entrada - como em todo circo - o qual nos dará liberdade de sairmos: A entrada é franca, mas na saída tem de pagar. E a preta simpática logo ali na sua frente, sempre sorrindo. Será que ela é feliz? Ou está rindo de você? Não, ela é simcera e nos deseja o bem e nos felicita e participa de nossa satisfação por termos saboreado tantos quitutes gostosos.

Saímos, e lá na calçada ainda, não estamos de todo liberto: Nova reunião, novo bate papo e então, percebemos que existe outro mundo, o mundo real. Todos nos despedimos e voltamos à vida.

Autor: Mário Ferreira de Medeiros (17/09/2010)

Foto: Francisco Roberto Ferreira

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

NOVENTA E DOIS ANOS

Mário Ferreira com 3 anos.


São decorridos 92 longos anos, desde que abri os olhos para a vida. Não sei se isso é privilegio, não sei se é castigo. Muitas coisas boas vislumbrei, também vi muitas coisas ruins. Logo cedo perdi minha mãe.

Nunca fui bonzinho também nunca fui mal individuo. Na juventude, pratiquei de tudo de bom e de mal.

"Adiantando" - De uma coisa posso me orgulhar, e doar como legado para meus filhos, sempre procurei viver com dignidade, uma vida sem pompas, sem glorias, mas digna e honrada. Sou aquele ser anónimo que viveu uma vida com respeito e sempre a procura de aperfeiçoamento. - Fui Rosacruciano, fui Rotariano. Por 14 anos frequentei o Rotary, período bom, onde fiz grandes amizades. Meu clube é extinto. Mas de coração ainda sou Rotariano.

Na mocidade não fui uma pessoa que se possa chamar de bom, também não era mal, apenas as vivicitudes me obrigavam a ser um indivíduo irracivel, as vezes ignorante, as vezes bruto. Passei por muitas fazes adversas.

De principio um menino que tinha gana de viver e por isso praticava atos que não condiziam - com 6 anos de idade fui expulso da escola - com o meio onde vivi - Minha Santa Luzia, a casa do meu pai, meus irmãos, meu querido açude velho - onde hoje penso, fui criado por ele ou nele? era onde eu me sentia bem, era onde eu extravasava a minha cede de vida.

Como disse o tipo de vida que eu enxergava não era condizente. E por isso preocupava as pessoas. Até que meu pai encontrou uma saída, me levam para o Colégio Militar do Ceara - hoje meu querido colégio - de lá, uma total transformação. Desaparece o jovem levado, nasce uma nova criatura - quase uma aberração - tímido, só não covarde. Apenas vivi a vida em Fortaleza, a timidez suplantou tudo.

Leio, leio muito todo tipo de literatura, porém não sou bom de livros didáticos, assisto as aulas com toda atenção, que eu lembre muitas poucas vezes abri um livro para estudar.

Atravesso o período militar, tenho o espírito de um militar, só sei viver debaixo de disciplina e de repente sou jogado em um mundo completamente diferente daquele que sei viver, foi muito difícil.

Não consigo me adaptar, deixo os estudos, um grande desgosto ao meu pai, vou trabalhar, gosto do trabalho e recomeço uma nova vida.

Vem a 2° grande guerra, sou convocado, volto para aquela vida que sei viver, apenas dois anos e sou novamente jogado no mundo estranho. Difícil a adaptação, apenas o trabalho.

E assim, por cima de paus e pedras, sendo censurado, sem ser compreendido é quando acontece a entrada de Alziva em minha vida. Surgio o carinho, mas mesmo assim, ainda vai demorar para o Mário chegar a onde deve. Vêm os filhos, vou amadurecendo e hoje graças a misericordia de Deus, sou um ser feliz, que amo e tenho certeza sou amado.

Por isso, apesar das saudades dos entes queridos, que já estão na presença de Deus, sou um ser que vive a vida de idoso, sem vislumbres do amanhã, mas com saúde e a graça de sentir a Deus e saber que sou respeitado e amado pelos meus.

E afinal? esses 92 anos são uma graça, ou uma punição?



João Pessoa, 15 de Setembro de 2010.

Mário Ferreira de Medeiros

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

CURIOSIDADES - VOCÊ SABIA?

Este ano de 2010, tivemos no mês de Agosto 5 domingos, 5 segundas e 5 terças. Isto, somente acontece a cada 823 anos.
Segundo a cultura chinesa do Feng Shui, aquele que conta tal fato nos primeiros dias do mês de Setembro atrairá muito dinheiro. Então conte a todos.
Colaboração: Regina Porto

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A Cabra Cheirosa

Cabra Cheirosa
Uma aparição que botou muito cabra macho pra correr. Nunca ninguém a descreveu direito: uns diziam ter o formato de uma cabra e avançar pra cima da pessoa, outros afirmavam ter o formato mesmo de uma mulher, era cheirosa e fugia das pessoas. É uma assombração criada por quem tem amores proibidos, mulheres adúlteras que não podem e nem devem aparecer, e que por isso criam uma figura para espantar os curiosos e ficar com o campo livre para suas aventuras. O certo é que circulou por um bom tempo, provocando a uns, medo, a outros, curiosidades a respeito da suposta senhora casada que, com amores fora do lar, para ter campo livre, se disfarçava de animal.
Ernani certa vez me afirmou que, com Jeová e belezinha, por muitas noites procurou chegar perto da assombração, mas ela era tão esquisita que o máximo que conseguiram foi sentir o perfume que usava.


Mário Ferreira de Medeiros - Almanaque do Quipauá (Setembro 2008)
Ilustração: Francisco Roberto Ferreira

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Porque sou Medeiros

Capa



Aos 94 anos, Teresa de Jesus Medeiros mais uma vez demonstra sua obstinação ao lançar este livro, resultado de exaustiva pesquisa empreendida através de documentos e entrevistas, muitas delas obtidas por meio de cartas escritas a mão pedindo informações a quem descobrisse chamar-se Medeiros. Está façanha talvez cause admiração a quem não a conhece, mas os que com ela convivem vêem apenas mais uma realização daquela que foi a primeira fotógrafa profissional do interior da Paraíba, ofício iniciado, por coincidência, quando as mulheres conquistaram o direito ao voto.

Este livro é mais uma contribuição sua à história e à cultura paraibana, "feito com muito amor e dedicação, de serviço para aqueles e aquelas que aqui ou em outra parte, têm Medeiros no nome, mas não tem a menor ideia de sua origens".


Teresa de Jesus Medeiros


Impresso pela Editora Universitária/UFPB em 2006.

sábado, 21 de agosto de 2010

Que achei no monturo

Coversa no monturo

Tudo começou
no sítio que vovô tinha,
onde eu fazia as brincadeiras
quando era criancinha,
digo em rima e verso
tudo que no monturo tinha.

Um ninho de galinha,
as penas de um pavão,
uma urupemba sem aro,
um taxo e um caldeirão,
um cromo do ano passado,
e um emblema da seleção.

Tinha também lá no chão
um arremedo de mocò,
tranças de alho e cebola
tudo junto dado um nó,
tinha até um tamborete
quebrado com uma perna só.

Um retrato de Itó,
daquela outra eleição,
pavio de candeeiro,
uma ponteira de peão,
cacos de vidros coloridos,
espalhados pelo chão.

Existia um caixão
sem tranca nem fundo,
um frasco de biotônico
que dar força a todo mundo,
uma nota de 10 cruzeiros
com a cara de D. Pedro II.

Um paletó todo imundo,
também achei por lá,
gola suja de camisa,
retalhos de abada,
uma chapa sem os dentes,
corda velha e alguidá.
Jumento com caçuá


Tarisca de caçuá
as relíquias de uma novena,
uma peteca rasgada
sem o fundo nem as penas,
capa de uma Playboy
com uma linda morena.

Retrato de Airton Sena,
cangalha e arcão de sela,
couro cru só os tampos,
e alguns pedaços de tela,
casca de bala e anzol,
embira, correia e fivela.

Uma Philips... só a tela,
e um A.B.C. canarinho,
o vêio e o fuso,
de um velho moinho,
muitas tampas de garrafa,
e uns ossos bem branquinhos.
Encontrei garrafão de vinho,
uma caixa de colgate,
vidros de para brisa,
e papel de chocolate,
tampa de nescafé
e de extrato de tomate.

Tinha roi-roi e bate-bate,
alça de calcinha e sutian,
um tubo azulzinho
desses de pólvora tupã,
um pedal e um currupio,
muita cinza e pucunã.
Havia casca de romã,
pedaços de um LP,
troço velho e catrevagem
duas capas de CD,
uma tabuada rasgada
e uma carta do ABC.

Só vendo mesmo pra crer
o que um monturo tem,
aba de chapéu de couro,
prata velha de vintém,
um vidro de pitisqueiro
e peneira de xerém.Carteiras de cigarro.
Era desse jeito que nós crianças
brincavamos, para imitar dinheiro.



Carteira de cigarro também,
plaza, minister e continental,
um carretel sem linha,
tesoura enferrujada e um dedal,
ponta de prego e parafuso
espetado em um pau.

Neste mesmo local,
motor-rádio que não fala,
todo feito em baquelite,
e uma asseia de mala,
disco de cera de carnaúba
um cabo de bengala.

Chocalho que não badala,
cheia de ferrugem uma peixeira,
um rolamento velho e gripado,
pedaços velhos de esteira,
muitos palitos de fósforo,
e quatro acentos de cadeira.

Tábuas de prateleira,
e um silo havia ali
todo furado e seco,
escrito vermelho eu li
Estado da Paraíba
Governo Burity.

Não pude resisti
na hora fiquei contente,
quando intrupiquei
mais que de repente
pregado numa faixa azul,
uma velha cama-patente.

De um gato vi os dentes,
do cachorro a ossada,
caixa de fósforo Argos,
japonesa com a tira rasgada,
um par de sete-léguas
sem o cano e furada.

Um caco de enxada
e um machado corneta
emblema do Botafogo
pregado na cardeneta,
alguns cotoco de lápis
e pedaços da caneta.

Uma sandália xereta,
um quicé sem o surrão,
tiras de chita coloridas
de cambraia e mandapulão
lata de sardinha coqueiro
muitas tiras de cordão.

A história não acaba não
tem muita coisa pra dizer
acredite meus amigos,
no que digo a você
quem não acreditar
vá ou monturo ver.


Nota do autor:

Aqui dou por encerrado mais este relincho que cometo, ao retratar a infância de moleque pobre; digo, menino que gostava de bulinagem. Tal, como um passeio no monturo, tive literalmente de reviver e escrever; e lá estava ele com toda riqueza de material para ser transformada ou mais ecologicamente correto, ser reciclado. Reciclei-os em forma de trova e está aí o que fiz.

Tem as arestas do vernáculo que ainda estão por apará-las, não sei quando pois o português é bem cheio de coisas e normas, para a poesia são coisas d'alma (fica mais camoniano).

Havia mais outras tralharias velhas mas ficaria muito extensa e cansativa, embora hilaria como lata de pastilhas valdas, elixir sanativo, leite de magnésia, etc. Mas medicamentos velhos será outra estória.

Janduir Medeiros

Fotos: Acervo particular de Mário Ferreira
Montagens: Francisco Roberto


segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O Chiqueiro da Onça

Chiqueiro da Onça


Ainda hoje está lá no meio da encosta da Serra da Tubiba, bem no sítio dos herdeiros de Lia e João Araújo, num lajedo grande, a armadilha, conhecida como chiqueiro da onça.

Alçapão, construção rústica, feita com pedras arrumadas, gradil de madeira tosca ainda muito bem conservada, construída pelo hábil caçador Sebastião Abel Dantas, onde segundo se propalava, lá ele pegou muitas onças, aquela chamada onça de bode - a suçuarana - um bonito e perigoso animal, muito feroz.

Essa armadilha, é constituída de dois compartimentos, um maior, aproximadamente 4 X 1 metros, onde a onça era aprisionada, na entrada, naturalmente tinha um sistema de armadilha que baixava a porta, logo que a fera penetrava.

Aos fundos, um compartimento menor, possivelmente uns 1 X 1 metro, com uma grade de madeira que o separava do maior e onde ficava a "isca", sempre um cordeiro ou cabrito e que diga-se de passagem sofria um medo terrível. A onça era atraída pelo cheiro da isca e se lascava.

Como já disse anteriormente, supõe-se que o construtor dessa obra tenha sido Sebastião de Abel Dantas, caçador nato de onça.


Chiqueiro da Onça

Sebastião faleceu no ano de 1926, com apenas 45 anos de idade. Possivelmente esse monumento ainda hoje digno de ser visto e preservado, ele o tenha construído na primeira década do século passado (século XX).

Uma historinha que me foi relatada pelo meu velho amigo Sebastião Campina, Carpina de profissão e caçador por convicção, qualquer folga que lhe aparecia, botava a espingarda nas costas e se fazia no mato em busca de caça.

Ele contou-me que na época era vigário da freguesia de Santa Luzia, o reverendo padre Joaquim Alves Machado e que ele criava um cachorro bem bonito, grande e de muita estimação. Certa vez, o padre tendo sido sabedor das aventuras de Sebastião Abel, mandou pedir ao mesmo que quando pegasse uma onça, mandasse avisá-lo que ele queria conhecer a fera. E assim, se fez.

Certa Madrugada seguiu o padre numa comitiva de uns cinco cavaleiros e um portador - portador é aquele serviçal que quase sempre acompanha a comitiva de pé - isto nos tempos de antanho - ele levava pela corda o cachorro. Chegaram ao local no pé da serra, o sol acabava de nascer, apearam, amarraram os animais e pela vereda feita pelo caçador, subiram até o local do alçapão.

Todos olham e admiram o belo exemplar de onça, que já muito está nervosa pelo tempo que está aprisionada. Aí o padre diz: vou botar Tubarão na frente da fera, quero ver a coragem dele. Tubarão, era o nome do cachorro, tinha no pescoço uma coleira larga onde era presa uma corda de cabelo trançado em preto e branco, uma beleza de corda.

O caboclo praticamente arrastou o cachorro pra frente da onça e quando a fera avistou o cão, deu um grande esturro e partiu na direção do mesmo e só esbarrou quando bateu com a cabeça no gradil da porta.


Chiqueiro da Onça - vista pela parte de traz

Tubarão com o medo, dá uma arrancada para traz, toma a corda da mão do cabloco e foi a ultima vez que foi visto. O padre ofereceu todo tipo de recompensa - dizem que até o céu foi garantido - para quem encontrasse seu Tubarão.

Passado um tempo, Sebastião Campina caçando lá pelo Tapuyo, pras bandas do riacho que tem o mesmo nome, nas vizinhanças da armadilha, encontrou um resto de corda semelhante aquela que prendia o animal - por sinal que fez-lhe um grande susto pela semelhança nas cores , a uma cascavel - e logo na frente enganchada numa forquilha de mofunbo, a coleira toda enquerquilhada e mais nenhuma pista de Tubarão.

Um pouco na frente, aproximadamente uns 500 metros do local onde esta situado o "chiqueiro, existe uma furna na aba da serra e que os antigos denominavam de "furna da onça". É possível que tenha sido uma morada de onça. O local é difícil acesso, não é grande mas chega a ter a altura de um homem normal.
Fotos: Rosalba Nobre Ferreira

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Jeová Batista e o Museu de Santa Luzia

O Museu de Santa Luzia abriga importantes peças históricas, é formado por um riquíssimo acervo cultural. Foi criado oficialmente no dia 24 de novembro de 1971 pela Prefeitura Municipal, com o objetivo da preservação das obras de artes do município e resgatar o Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural e Ecológico da cidade.

Jeová Batista de Azevedo foi um dos fundadores do museu de Santa Luzia, que com muito zelo e estima conseguiu formar um acervo estimado em mais oito mil peças encontradas na região do Seridó e demais circunvizinhas.

Em 1974, a coordenação estadual do MOBRAL/PB inaugurou seu posto em Santa Luzia e, entre os programas implantados, o que mais sensibilizou a comunidade, sem dúvida, foi aquele voltado para o patrimônio histórico e artístico.

Decorrente da importância do museu na vida do município surgiu à idéia do professor Renault Vieira de Souza de criar a Fundação Museu Comunitário de Santa Luzia, sociedade civil sem fins lucrativos, como instituição mantedora do museu e da biblioteca, constituída em 1984, voltada principalmente para a arte e a cultura. Pesquisa e história regional, tendo Jeová como Diretor Cultural.

No seu acervo consta uma pedra com a pegada de dinossauro proveniente do Vale dos dinossauros localizado no município de Souza. Há também machados de pedras (possivelmente da era da pedra polida), também conhecidos como pedras de corisco ou machado indígena, louçaria européia e armas de jagunços.


Outras peças importantes destacam-se no acervo os vários instrumentos musicais como um bonito violino da marca "Gianini", com selo "Stradivarius". Foi fabricado em madeira nacional, o Salgueiro, e seu arco também é de matéria brasileira, a Peroba. Esse violino pertenceu ao fazendeiro Manoel Abel.

Outro instrumento de grande valor é um alaúde, de mais de 100 anos, de origem napolitana, doado ao museu por Dona Luzia Araújo. Esse instrumento foi de grande sucesso em fins da Idade Média. No alaúde lê-se a inscrição: "Arilletti Umberto - Nápoles.

Um clarinete, também com mais de 100 anos, que pertenceu a Nestor Tavares Nóbrega, fabricado em Ébano, de marca francesa. Uma flauta, que pertenceu a Iracema Araújo, fabricada em Paris, também com mais de um século. Flauta Transversal, de Joaquim Machado da Nóbrega, "Seu Joca", fabricado em Craviuna, pelo seu proprietário.

Um bombardino, aparentando ser muito antigo, estranhamente muito austero, de um dourado puxado ao vermelho com uma amassadura em sua campana. Segundo Jeová, esse instrumento pertenceu ao maestro Ezequiel Fernandes, uma figura lendária e muito querida na cidade. Quando Antônio Silvino invadiu Santa Luzia, foi a sede da filarmônica e ordenou a depredação dos instrumentos. O instrumento foi amassado em violentos golpes contra o solo, mas posteriormente passou por um trabalho de recuperação, embora permaneçam as marcas da violência.

Muitos outros objetos são encontrados no museu. Como um elegante tinteiro , de um refinado vidro esverdeado, com arabescos em baixo relevo folheados a ouro. Foi doado por Brasília Medeiros. Contava Dona Dalila, sua mãe, que o tinteiro foi trazido por seus avós quando chegaram da Europa para Olinda há muito tempo atrás. Tinham eles um pequeno animal de estimação, um inteligente macaco que certo dia desapareceu da Casa Grande. Tempos depois o macaco reapareceu. Trazia consigo, guardado com muito ciúme, o belo tinteiro verde, com filetes dourados.

O visitante do Museu de Santa Luzia tem para apreciação um acervo diversificado e bem organizado estruturalmente dividido em coleções. A de "Arte Sacra", tais como pia batismal, imagens, sinos e objetos litúrgicos. À coleção "Armaria", formada por armas brancas, espingardas, garruchas, "Munições", com peças utilizadas na Revolução de 1930. "Numismática", formada por moedas de diversos períodos: colonial, do Império (Primeiro e Segundo Reinado), da República - a moeda mais antiga data de 1715.

A coleção "Material Lítico", composta por minérios extraídos na região por garimpeiros e pesquisadores: berilo, turmalinas, mica, perita, amianto, colombita, quartzo, etc. "Arte Indígena", arcos, flechas, lanças, etc. "Máquinas de Costura", diversas épocas. "Instrumentos Musicais": formada por instrumentos antigos que pertenceram aos membros da Banda Musical 23 de Maio, de Santa Luzia, fundada em 1874.

"Apetrechos": objetos de indumentárias, bolsas, sapatos, carteiras, cintos, fivelas, etc. "Cerâmica": material proveniente de demolições de casas antigas da cidade e, também, de cerâmica, utilitária e de adorno produzidas na região. A coleção "Mobiliário", com peças de períodos diversos que remontam à criação do Município. "Documentos": certidões, textos referentes a história do Município. "Iconografia": fotos, retratos de figuras, prédios, fatos da cidade e do Estado. "Diversos": constituída por variadas peças como discos, ferramentas, lamparinas, etc.

Tudo bem explicado, assim, deixa a impressão de que Santa Luzia conta com um Museu ao estilo das cidades barrocas mineiras, assistidas pela Funarte e outras fundações que cuidam da memória nacional. Na verdade, a singela cidade sertaneja, cercada de água por todos lados, conta apenas com a forma real-mágica de encarar a vida, do marcante personagem Jeová Batista, o seu Museu Municipal.

O Museu é dividido em 16 sessões, o que faz com que os assuntos se misturem, já que conta apenas com oito salas. O prédio pertencia ao antigo Posto de Saúde, e não passou por nenhuma adaptação para o funcionamento de um museu. Não há a mínima condição de segurança, não só contra roubos, também contra agentes naturais.

E pelas palavras do museólogo Jeová Batista: "Talvez o nosso acervo, tudo junto, não valha, em moeda corrente, o preço de um milhão. Mas aqui está viva, toda a História de uma cidade, que não é tão antiga quanto Roma, mas que já não é tão nova, como Brasília, por exemplo. E é para isso que estamos trabalhando para preservar a memória do homem da terra".

O Museu hoje se chama Museu Jeová Batista, em homenagem, àquele que muitos anos cuidou das peças e do acervo do museu por muitos anos.


Fonte:

Jornal A UNIÃO (João Pessoa, 27 de maio de 1984).

Reportagem: Armando Marinho.

Fotos: Ernani de Souza (Jeová) e Francisco Roberto (machado de pedra).

Redação Final: Francisco Roberto

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

JUDAS NO TAPUYO

Eu vim pra festa do Judas
Saí cedo cheguei primeiro
Cheguei acordando o povo
Acordei até o vaqueiro
Queria comer o churrasco
Do invisível carneiro

Acordei Zé Arthur
Judith e o velho Marão
Dei carona a Zé Ferreira
Em busca do Carmitão
Aqui encontrei Zé Mário
Que ajeitava o rifário
Pra botar o Judas no chão

Tinha revólver e espingarda
Tinha pistola e cravina
Pois se sou atirador
Vim comprir minha sina
Atiro no nó da corda
Que o Judas velho entorta
E dispara lá de cima

E quando o Judas caiu
Foi aquela animação
Mário o dona da casa
Butou o Judas no chão
E alegre como um vem-vem
Recebeu os parabéns


Por Paulo Romero Ferreira

Almanaque do Quipauá 2008



terça-feira, 3 de agosto de 2010

O Testamento de Judas

Meus estimados netos, bisnetos, tetranetos, e mais descendentes e afins. Eu, Judas Florêncio das Grandes Tormentas, condenado que estou pela minha covarde atitude, de vender Cristo, culpa agravada pelo mísero valor da transação - 30 dinheiros - em pleno gozo das minhas faculdades, antes de subir ao patíbulo, quero testamentar meus haveres - que são muitos - para o agrado dos meus beneficiados.
E, para evitar querelas entre os apaniguados, deixo como tudo como abaixo se relaciona:

Aos meus compadres amigos Mário e Alziva deixo estas terras ao nosso redor, terras que são férteis e, que sendo bem executadas, produzirão. E que dona Alziva tolere o marido por mais algum tempo.

Para Zé Mário, moço valoroso e trabalhador, deixo minha máquina de foliar formiga e a borracha d'água. Quero que, com a máquina, que é de tecnologia de última geração, possa combater a saúva no sítio. A borracha é também de fabricação ultra-moderna, gela e filtra em segundos.

Para Reynaldo, moço de muita capacidade e inteligência, a minha caneta de estimação. Com ela você poderá fazer seus escritos, os de maior valia.

A Marco Antônio, pessoa boa, vivo e esperto, deixo o meu chicote e o facão, peças raras de meu uso com os quais nunca perdi uma peleja.

Para a doutora Socorro, moça de muitas prendas, a fim de que possa aprimorar e embelezar seu consultório, deixo o meu porta canetas, obra de arte, já exposta nos grandes salões.

Para Lucinha, moça historiadora e muito prendada, deixo o meu Lunário Perpétuo para que ela, além de conhecedora do passado, possa, com ele, prognosticar também os tempos futuros.

Para Rosalba, moça valorosa, amada do marido, ciosa dos filhos, com muito apreço deixo o meu anel, jóia de grande valia com a qual sempre compareci aos grandes furdunços.

Ao Dr. Aderaldo, geólogo de muita fama e capacidade, deixo minha batéia. Com ela sempre peguei algum ouro. Deixo também essa barra-mina para que possa cavocar nas minas de mais encantos.

Para o Major Paulo, cavalariano de muita punjança e valor, deixo o meu loro com estribo, peça que sempre usei nas minhas grandes aventuras equestre. Deixo também esse chocalho do meu boi barbatão, para que o tenha sempre na garupa da sela.

Para Wandick, moço estimado e de boa índole, o meu tabaqueiro nada melhor para levantar o ânimo que umas nargadas de torrado.

Para Judith, minha prima de coração, deixo o meu cachimbo de estimação para que ela possa pitar nos momentos de cismas.

Ao Dr. Expedito da Dona Carmita, moço forte e valente que está sempre apressado, deixo a minha ampulheta, tecnologia de primeiro mundo, para que ele possa regular o seu tempo, não se atrasando nos seus horários.

Para Guido de Dona Lia, que ninguém chama de doutor, , moço bom, amigo dos amigos, advogado que não trabalha com leis, deixo esta miniatura da Constituição para que ele veja que há pouca diferença daquela em vigor.

Ao Dr. Jumar, moço manso, risonho e já carecando, deixo o meu chapéu para ele se proteger das grandes canículas.

Para a doutora Amazile, dentista de muita valia, deixo este compêndio, obra recém-publicada, para que ela aprimore os seus conhecimentos.

Para Loló e Rosália, de alcunha Casal Vinte, moços de muitas prendas, para que mais aperfeiçoem o seu já modesto consultório, deixo esse alicate, peça moderníssima de moldar coroa, e essa miniatura de dentadura para lhe servir de modelo.

A Jaime Dantas, moço que não gosta de gaita, deixo a minha broaca, embora sem nenhum recheio.

Para Zezé Araújo, moço novo, bem aquinhoado, político, amigo dos necessitados, deixo o meu peso de estimação para que ele possa aferir os seus, e essa trena para ele medir seus passos nos caminhos tortuosos da política.

Ao meu amigo e parente Cândido, deixo um dos meus canecos para que ele possa tomar a sua cerveja com mais gosto. E como ele está ingressando no ramo do leite, o meu funil que tantos anos usei coando leite.

Para Mário Neto, esse guri irrequieto, deixo essa chavinha para que, com ela, possa trancar o armário dos seus badaluques.

A Rafael, jovem forte caladão e curioso. deixo essa casa miniatura que, com suas aptidões, venha a montá-la.

Para as bonecas da festança, Natália e Lorena, porque não têm com que brincar, deixo as minhas calungas de estimação.

Para Chico Gomes e Netinha, meus descendentes de primeira geração, deixo com muito apreço o meu outro cachimbo e uma tigela de barro para que possam, com esses tesouros, aproveitar o que a vida tem para dar.
Para o Dr. Zé Eymard, pessoa de primeira grandeza, um homem sem falha, deixo a minha escultura cinzelada nos tempos em que andava palmilhando por esse mundão afora.

Às minhas queridas netas Carmem, Pretinha, Lígia, Lúcia, Luíza, Iza, Conceição, Teca, Maria do Carmo e Neném, que estão aí com cara de triste achando que não foram enxergardas, deixo para cada uma delas uma escolha a sua prenda. Peço, porém, que não vão aos muxições, com brigas na hora da escolha.

A Clodomiro caçador de muita fama e valia, deixo o meu polvarino e cartucheira, e que faça bom proveito.

Para Maria, a minha panela, para que ela possa cozinhar os quitutes de Dona Alziva.

A Amaury, moço apaixonado pelo futebol, deixo essa bola semelhante à Copa da França.

Para Chico Jacinto, moço bom trabalhador, que sempre atende nas horas certas, deixo a minha capa impermeável para que jamais fique na chuva, e esse belíssimo baralho com qual sempre ganhei todas as paradas.

Para toda mocidade linda aqui presente, deixo esse mundo bonito e cheio de promessas, para que gozem tudo dele enquanto têm punjança de vida. Que vivam e vivam muito, aproveitem cada momento, que a vida é curta e não se repete. Toda hora é hora para viver e ser feliz.

E, como pelo menos uma vez quero ser justo com todos, mando que o testamento faça um sorteio dos 30 dinheiros. E que ganhe o de mais sorte.


Judas Florêncio das Grandes Tormentas.


Mário Ferreira de Medeiros



Santa Luzia, Sítio Tapuyo; Semana Santa de 1995.

sábado, 31 de julho de 2010

A PROMESSA


ESTAMOS NO ANO DE 1913

A vida na Vila de Santa Luzia transcorre pacata, o povo vive feliz. Pode-se até dizer que a felicidade mora ali.

Maria Amazile (Lia), menina moça nos seus despreocupados 14 anos, vive feliz no seio da sua família, sem preocupações senão ir à escola e ajudar a sua mãe, Donana, na criação de seus irmãozinhos, especialmente a mana Tereza, com apenas dois anos incompletos.


DE REPENTE, TUDO MUDA

Chega a notícia de que uma coluna de revoltosos se aproxima da Vila. Aí o medo. É que a coluna denomida "Os Franklins", numa revolta organizada com o intuito de depor o governo estadual, comandada pelos coronéis Augusto Santa Cruz e Franklin Dantas, se aproxima. Ela passa pelas cidades praticando absurdos, desrespeitando as famílias, saqueando. Partira de Monteiro, ocupara Patos, e marcha rumo a Santa Luzia.

Ao chegar aqui, os Franklins desarmam toda força policial, levando todas as armas e munição. Soltam os prisioneiros, alguns condenados, como João Carga D'Água, Antônio Germano e Bento quirino, homens que se incorporariam à coluna. O delegado Epaminondas Trindade, completamente indefeso, acha por bem dar no pé. De Santa Luzia a coluna segue para Soledade, São João do Cariri e, ao se dirigir para Campina Grande, já em Serra Branca, seria surpreendida por forças do Exército, que haviam sido requisitadas pelo Governo Estadual, e aí dissolvida.

Passada uma semana, por coincidência ou por haver tido conhecimento da passagem da Coluna Santa Cruz (assim, também chamada), Antônio Silvino com seu bando marcha rumo à terrinha. O cangaceiro havia criado um rancoroso ódio ao coronel Aristides, achando que era o responsável pelo trucidamento de seus cabras, Pimenta e Macambira que, desgarrados do seu grupo, ao passar pela Vila, foram presos.


A HISTÓRIA

Os dois vinham com muita sede, e ao se aproximarem de uma cacimba na beira do rio, para saciar a sede, foram avistados por um soldado que suspeitou deles, e deu voz de prisão. Na cadeia, confessaram quem eram e alegaram que tinham desertado do bando de Antônio Silvino no fogo da Pedreira - esse caso ocorreu possivelmente uns dois anos antes, portanto em 1910. Foram então tomadas as providências para levá-los dali. Aristides, chefe político, não queria aqueles homens perigosos na Vila. Por esses dias apareceu de passagem um tal de Tenente Tolentino, vindo do alto sertão com uma volante rumo à capital, que se prontificou a levar os dois cabras. Pediu o reforço de dois praças ao delegado prosseguiu a viagem levando os bandoleiros. Ao que tudo indica, logo que se afastou da Vila, ao passar pelo sítio Olho D'Água das Lages, vizinho ao sítio de Sebastião Félix, parou e mandou que os cabras cavassem uma cova, e, ali mesmo, atirou nos dois. Um deles ainda estava vivo quando foi sepultado. Mandou os dois praças de volta e prosseguiu viagem. Esses praças é que deram a notícia do ocorrido.

O sítio Olho D'Água das Lajes pertence hoje ao senhor Etevoldo Cabral que, dono de um coração muito grande, mandou construir um jazigo e uma capelinha no local onde os dois rapazes foram trucidados.


E AGORA, O PIOR

Quando Aristides tivera conhecimento da entrada de Antônio Silvino na Vila, mandara que pusessem uma cadeira na sua calçada, que era alta, bem acima do nível da rua, e, fumando seu charuto, aguarda a chegada do bandoleiro. Logo que se aproxima, Silvino grita:

- Desça daí, velho safado, pra morrer!

- Safado é você - responde Aristides - que sai por aí matando e roubando! Eu sou um homem honesto.

Silvino, muito irritado, puxa o velho e bate nele. Ameaça matá-lo e toda sua descendência. Aristides replica: "Bate e mata, mas mata um homem". Silvino age livremente, não encontra nenhuma resistência, pois a polícia está completamente desarmada. Sai batendo e humilhando Aristides pelas ruas.

Ao passar pela frente da casa de Manuel Emiliano, pessoa importante na Vila e bem acatada por Silvino, Yayá sua esposa sai de casa e implora ao cangaceiro, dizendo ser o coronel inocente do caso, e pessoa muito boa querida de todos.

Aristana acompanha Antônio Silvino que arrasta seu pai pelas ruas e sua presença, de certo modo, evita que o cangaceiro acabe de vez com a vida de Aristides. O cangaceiro, em seu código de honra, tinha um respeito todo especial pelas virgens e pelos sacerdotes, não permitindo que nenhum de seus cabras faltasse com o respeito a essas pessoas. Aristana, além de virgem, é uma mulher muito bonita, olhos grandes, todo tempo junto ao pai, sofrendo e implorando clemência. Impressiona Antônio Silvino e seus homens a coragem e perseverança daquela jovem com um xale preto na cabeça protegendo os cabelos grandes e negros. Com sua fala mansa ela implora e chora:

- Capitão, pelo amor de Deus, atenda meu pedido, não mate meu pai!

O coração da fera estremece, não tem como faltar. É muito forte a emoção ao pedido daquela jovem.

Lá na Carnaúba, o maestro Ezequiel Fernandes tem conhecimento de que estava ocorrendo com seu sogro e amigo. Desce do Alto da Boa Vista para lhe dar apoio. No caminho fica sabendo que os bandoleiros amassaram e quebraram os instrumentos da banda, da qual é o maestro. Ao cruzar o Rio Quipauá, tem um enfarto e ali mesmo entrega sua alma a Deus.

Por prevenção, temendo as ameaças do cangaceiro, pessoas aconselharam que Zezé - que era genro de Aristides - retirasse a família de casa para evitar maiores vexames. Ele ouviu o conselho e levou a família para a casa de Manuel Emiliano. Lá, acomodados em um quarto, ficaram aguardando os acontecimentos. Maria Amazile (Lia), porém, não suporta aquela humilhação, sai e vai para o quintal da casa de Joaquim Berto, seu avô.

Muito preocupada e sofrendo pelas notícias que chegam aos seus ouvidos, pede auxilio dos céus. Devota de Nossa Senhora Auxiliadora, faz-lhe uma súplica e promete que se Nossa Senhora fizer com que Antônio Silvino vá embora sem matar e sem causar maiores danos, ela irá trabalhar e, com o ganho do seu trabalho, comprará sua imagem para que seja colocada no altar, que ainda está vago.


E acontece: o bandoleiro afasta-se, Aristides, muito machucado, resistiria aos mal tratos sofridos.






PASSA O TEMPO, CHEGAMOS A 1914

Lia se casa com Zé Ferreira, não esquece o compromisso com Nossa Senhora. O matrimônio nada muda na sua decisão de pagar a promessa que fizera para salvar Aristides e a cidade da sanha do cangaceiro. Vão residir no Fechado - Zé Ferreira como administrador da fazenda de Quinca Berto, avô de Amazile. Lá, nas horas vagas, ela faz queijo e guloseimas que manda vender no Espírito Santo - Ouro Branco - e daquela vendagem tira as despesas e tudo sobra vai sendo amealhado para pagar a promessa.

Volta para Santa Luzia. Seu tempo é exíguo. Nos 10 anos de casada, pare dez filhos. Mesmo assim, no pouco tempo que lhe resta, trabalha fazendo pirulitos e outros quitutes que manda vender. Observe-se que seu marido, Zé Ferreira, tinha boa situação financeira, mesmo assim, Lia, para o cumprimento de voto à Santa, nunca quis receber nada do esposo.


E O TEMPO PASSA

Chegamos ao ano de 1924. Lia grávida. Fim do ano, Zé Ferreira, que pelos seus negócios sempre viaja ao Recife, está com uma viagem marcada. Lia se dirige ao marido, querendo que ele compre uma imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, para ser posta no altar. Entrega ao marido o dinheiro que juntara com seu trabalho, mais que suficiente para a compra da imagem.

- Mas Lia - diz ele - eu não quero seu dinheiro. Eu posso comprar essa imagem para você!

- Mas Zé Ferreira, é um compromisso com Nossa Senhora.

Ela conta toda história ao marido. Ele concorda, viaja ao Recife. Traz a imagem. Conversam com o vigário, padre Belisário, e a imagem é posta no altar no lado esquerdo da nave da igreja.




ESTAMOS EM 16 DE MAIO DE 1925

Lia está para descansar e, na noite de 16 para 17, dá a luz a uma menina que ganha o nome de Maria Amazile - Maria Novinha para os irmãos, e acontece o pior. Lia não resiste e é levada à presença do Senhor. Muita dor, muito sofrimento, todos choram e lamentam a tragédia. Mas é a vontade de Deus. Ela, apenas uma menina, com seus 27 anos, sucumbe. O destino? Desígnios do Senhor?

A primeira missa celebrada no altar onde foi posta a imagem de Nossa Senhora Auxiliadora foi a missa de corpo presente de Maria Amazile de Medeiros Ferreira - Lia.

E essa imagem, meus irmão, que vocês estão observando aí na frente, é a Nossa Senhora da minha mãe e tem muito a ver com todos aqueles que descendem de Lia.




Lia, que Deus te abençoe.

Minha benção, minha Mãe.




Mário Ferreira de Medeiros

Santa Luzia, julho de 2009.