ESTAMOS NO ANO DE 1913
A vida na Vila de Santa Luzia transcorre pacata, o povo vive feliz. Pode-se até dizer que a felicidade mora ali.
Chega a notícia de que uma coluna de revoltosos se aproxima da Vila. Aí o medo. É que a coluna denomida "Os Franklins", numa revolta organizada com o intuito de depor o governo estadual, comandada pelos coronéis Augusto Santa Cruz e Franklin Dantas, se aproxima. Ela passa pelas cidades praticando absurdos, desrespeitando as famílias, saqueando. Partira de Monteiro, ocupara Patos, e marcha rumo a Santa Luzia.
Ao chegar aqui, os Franklins desarmam toda força policial, levando todas as armas e munição. Soltam os prisioneiros, alguns condenados, como João Carga D'Água, Antônio Germano e Bento quirino, homens que se incorporariam à coluna. O delegado Epaminondas Trindade, completamente indefeso, acha por bem dar no pé. De Santa Luzia a coluna segue para Soledade, São João do Cariri e, ao se dirigir para Campina Grande, já em Serra Branca, seria surpreendida por forças do Exército, que haviam sido requisitadas pelo Governo Estadual, e aí dissolvida.
Passada uma semana, por coincidência ou por haver tido conhecimento da passagem da Coluna Santa Cruz (assim, também chamada), Antônio Silvino com seu bando marcha rumo à terrinha. O cangaceiro havia criado um rancoroso ódio ao coronel Aristides, achando que era o responsável pelo trucidamento de seus cabras, Pimenta e Macambira que, desgarrados do seu grupo, ao passar pela Vila, foram presos.
A HISTÓRIA
Os dois vinham com muita sede, e ao se aproximarem de uma cacimba na beira do rio, para saciar a sede, foram avistados por um soldado que suspeitou deles, e deu voz de prisão. Na cadeia, confessaram quem eram e alegaram que tinham desertado do bando de Antônio Silvino no fogo da Pedreira - esse caso ocorreu possivelmente uns dois anos antes, portanto em 1910. Foram então tomadas as providências para levá-los dali. Aristides, chefe político, não queria aqueles homens perigosos na Vila. Por esses dias apareceu de passagem um tal de Tenente Tolentino, vindo do alto sertão com uma volante rumo à capital, que se prontificou a levar os dois cabras. Pediu o reforço de dois praças ao delegado prosseguiu a viagem levando os bandoleiros. Ao que tudo indica, logo que se afastou da Vila, ao passar pelo sítio Olho D'Água das Lages, vizinho ao sítio de Sebastião Félix, parou e mandou que os cabras cavassem uma cova, e, ali mesmo, atirou nos dois. Um deles ainda estava vivo quando foi sepultado. Mandou os dois praças de volta e prosseguiu viagem. Esses praças é que deram a notícia do ocorrido.
O sítio Olho D'Água das Lajes pertence hoje ao senhor Etevoldo Cabral que, dono de um coração muito grande, mandou construir um jazigo e uma capelinha no local onde os dois rapazes foram trucidados.
- Desça daí, velho safado, pra morrer!
- Safado é você - responde Aristides - que sai por aí matando e roubando! Eu sou um homem honesto.
Silvino, muito irritado, puxa o velho e bate nele. Ameaça matá-lo e toda sua descendência. Aristides replica: "Bate e mata, mas mata um homem". Silvino age livremente, não encontra nenhuma resistência, pois a polícia está completamente desarmada. Sai batendo e humilhando Aristides pelas ruas.
Ao passar pela frente da casa de Manuel Emiliano, pessoa importante na Vila e bem acatada por Silvino, Yayá sua esposa sai de casa e implora ao cangaceiro, dizendo ser o coronel inocente do caso, e pessoa muito boa querida de todos.
- Capitão, pelo amor de Deus, atenda meu pedido, não mate meu pai!
O coração da fera estremece, não tem como faltar. É muito forte a emoção ao pedido daquela jovem.
Lá na Carnaúba, o maestro Ezequiel Fernandes tem conhecimento de que estava ocorrendo com seu sogro e amigo. Desce do Alto da Boa Vista para lhe dar apoio. No caminho fica sabendo que os bandoleiros amassaram e quebraram os instrumentos da banda, da qual é o maestro. Ao cruzar o Rio Quipauá, tem um enfarto e ali mesmo entrega sua alma a Deus.
Por prevenção, temendo as ameaças do cangaceiro, pessoas aconselharam que Zezé - que era genro de Aristides - retirasse a família de casa para evitar maiores vexames. Ele ouviu o conselho e levou a família para a casa de Manuel Emiliano. Lá, acomodados em um quarto, ficaram aguardando os acontecimentos. Maria Amazile (Lia), porém, não suporta aquela humilhação, sai e vai para o quintal da casa de Joaquim Berto, seu avô.
Muito preocupada e sofrendo pelas notícias que chegam aos seus ouvidos, pede auxilio dos céus. Devota de Nossa Senhora Auxiliadora, faz-lhe uma súplica e promete que se Nossa Senhora fizer com que Antônio Silvino vá embora sem matar e sem causar maiores danos, ela irá trabalhar e, com o ganho do seu trabalho, comprará sua imagem para que seja colocada no altar, que ainda está vago.
E acontece: o bandoleiro afasta-se, Aristides, muito machucado, resistiria aos mal tratos sofridos.
PASSA O TEMPO, CHEGAMOS A 1914
Lia se casa com Zé Ferreira, não esquece o compromisso com Nossa Senhora. O matrimônio nada muda na sua decisão de pagar a promessa que fizera para salvar Aristides e a cidade da sanha do cangaceiro. Vão residir no Fechado - Zé Ferreira como administrador da fazenda de Quinca Berto, avô de Amazile. Lá, nas horas vagas, ela faz queijo e guloseimas que manda vender no Espírito Santo - Ouro Branco - e daquela vendagem tira as despesas e tudo sobra vai sendo amealhado para pagar a promessa.
Volta para Santa Luzia. Seu tempo é exíguo. Nos 10 anos de casada, pare dez filhos. Mesmo assim, no pouco tempo que lhe resta, trabalha fazendo pirulitos e outros quitutes que manda vender. Observe-se que seu marido, Zé Ferreira, tinha boa situação financeira, mesmo assim, Lia, para o cumprimento de voto à Santa, nunca quis receber nada do esposo.
- Mas Lia - diz ele - eu não quero seu dinheiro. Eu posso comprar essa imagem para você!
- Mas Zé Ferreira, é um compromisso com Nossa Senhora.
Ela conta toda história ao marido. Ele concorda, viaja ao Recife. Traz a imagem. Conversam com o vigário, padre Belisário, e a imagem é posta no altar no lado esquerdo da nave da igreja.
Lia está para descansar e, na noite de 16 para 17, dá a luz a uma menina que ganha o nome de Maria Amazile - Maria Novinha para os irmãos, e acontece o pior. Lia não resiste e é levada à presença do Senhor. Muita dor, muito sofrimento, todos choram e lamentam a tragédia. Mas é a vontade de Deus. Ela, apenas uma menina, com seus 27 anos, sucumbe. O destino? Desígnios do Senhor?
A primeira missa celebrada no altar onde foi posta a imagem de Nossa Senhora Auxiliadora foi a missa de corpo presente de Maria Amazile de Medeiros Ferreira - Lia.
E essa imagem, meus irmão, que vocês estão observando aí na frente, é a Nossa Senhora da minha mãe e tem muito a ver com todos aqueles que descendem de Lia.
Lia, que Deus te abençoe.
Minha benção, minha Mãe.
Mário Ferreira de Medeiros
Santa Luzia, julho de 2009.
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