Jornal O Norte (08/03/1975)
Texto: Armando Nóbrega
Fotos: Martinho Fábio
Um clima de misticismo apoderou-se da cidade de Santa Luzia desde a última noite do ano passado quando o vigário Jerônimo Lawen morreu em um acidente na estrada. De origem holandesa ele sempre lutou contra o fanatismo religioso, no entanto, já está sendo fervorosamente cultuado como o mais novo santo do interior nordestino.
A mais próxima cidade do sertão paraibano, Santa Luzia, está se tornando fortemente um centro de peregrinação, desde a noite de 31 de dezembro último, quando morreu em acidente automobilístico, o vigário local, Jerônimo Lawen, de nacionalidade holandesa. No local da morte à margem da estrada de barro que vai à vizinha cidade de Várzea e no túmulo aberto no interior da igreja matriz, são patentes os sinais de um efetivo processo de mitificação, ironicamente desencadeado sobre um sacerdote progressista que combatia, o misticismo nordestino, ao ponto de dificultar as missões de frei Damião na cidade.
Os rumores de milhares e graças alcançadas se tornam persistentes a cada dia, aumentando o número de devotos que rezam e acendem velas, tanto na cruz à margem da estrada, como no túmulo do padre.
Diariamente, quase todos os habitantes amanhecem narrando sonhos, cujo protagonista principal, o padre Jerônimo, teria pedido preces, dado conselhos ou repreendido comportamentos abusivos.
Desorientação Coletiva
Na noite em que o pároco morreu, observou-se um dos raros momentos de pânico coletivo em pequenas comunidades. As festivas comemorações de passagem de ano transcorriam alegremente quando a notícia explodiu provocando uma espécie de loucura em massa que somente foi controlada com a chegada, já a alta hora da noite, do bispo de Patos, Dom Expedito de Oliveira. As mulheres corriam chorando e os homens discutiam aos gritos, o que fazer do corpo.
As discussões tentavam definir onde seria sepultado o morto que a estas alturas, já deixava de ser o vigário querido para assumir, nas mentes conturbadas, a imagem de um santo ou de um personagem estrangeiro, que deveria ser entregue a família, a ordem religiosa ou ao seu país. Os rádios amadores lutavam contra o tempo, tentando comunicação com autoridades em Olinda ou Fortaleza, a fim de providenciar o embalsamento que possibilitasse uma viagem até a Holanda.
Um grupo de rapazes que havia bebido em excesso ainda chegou a ameaçar de linchamento, ao motorista que conduzia o veículo causador do acidente, Edson Cirilo, hospitalizado em estado de choque.
A missa de passagem do ano em Santa Luzia, que seria celebrada pelo padre Jerônimo, transformou-se em missa de corpo presente, oficiada por dom Expedito e assistida por uma população semi enlouquecida.
Desde o início do ano, o bispo da Diocese procura um novo pároco para Santa Luzia, que de acordo com o desejo dos paroquianos, deverá ser holandes, mas até agora não apareceu um de qualquer nacionalidade. Enquanto isso, quase 30 mil católicos das cidade de Santa Luzia, Várzea e São José do Sabugy, integrantes da Paroquia, estão sem assistência permanente de um padre.
Pelo Brasil na Alemanha
Apesar de seus 60 anos, padre Jerônimo identificava-se mais com os jovens, a quem dedicava grande parte do seu lazer. Em conversas que se prolongavam até a meia-noite, os jovens ficavam conhecendo novas facetas da religião, bem como os costumes holandeses. Ele assistiu diratamente na Alemanha vários jogos da última Copa do Mundo, e quase sempre torceu pelo Brasil.
Quando ele dificultava a vinda de frei Damião à cidade, discordando da difusão do misticismo entre os sertanejos, já bastante atormentados pelas superstições, os mais fanáticos argumentavam que a causa de tudo era inveja pela popularidade do frade franciscano.
Os que conheciam de perto a natureza do padre holandês sabiam que ele não dava a menor importância a honras pessoais, com o seu modo de pensar quase se aproximando dos ideais "hippies" e um certo despreendimento aos valores sociais estabelecidos, pelo menos para a região.
Fugindo de Hitler
Seminarista, às véspera da Segunda Guerra Mundial, Johanes Cornelius Lawen, rebatizado Jerônimo no Brasil sofreu mais uma vez, as consequências da ocupação alemã em sua Pátria. Ele era um fumante inveterado que consumia mais de uma carteira de cigarros por dia e chegou a arriscar a própria vida, quando, no tempo so Seminário, fugindo de um bombardeio, parou para apanhar uma caixa de tabaco e quase foi atingido. Em outras ocasiões conseguiu ultrapassar sérios perigos de vida, e, no entanto, morreu num acidente em que os demais passageiros apenas sofreram escoriações leves.
O sepultamento do padre Jerônimo na matriz de Santa Luzia foi feito em comprimento a sua própria vontade. Quando ele chegou da Europa em novembro passado, teria comentado: "Estou completamente desligado da Holanda. depois que perdi pai e mãe, minha terra agora é Santa Luzia. Aqui morrerei e serei sepultado.
A 10 quilometros de Santa Luzia, na margem direita de quem vai à Várzea, já esta sendo construída uma capela cujos recursos financeiros foram obtidos junto às Prefeitura da Paróquia, e todos os habitantes do Vale do Sabugy. A obra está sob supervisão de representantes do Rotary Club local, e recebe apoio direto de dom Expedito de Oliveira que prometeu mandar celebrar missas periódicas no local, denominado Fazenda Umburana.
A rotina da espera
Os habitantes de Santa Luzia, agora já conformados com o brusco desaparecimento do padre Jerônimo continuam sem sacerdote, apesar dos ingentes esforços do Bispo da Diocese. Enquanto isso, em sua rotina de cidade pequena, eles vão relembrando cada gesto e palavra do bondoso padre, "galego queimado de sol, boa altura e fala engraçada", conforme descrição de um sertanejo. A esperança é de que um novo padre holandês venha substituir ao padre Jerônimo.
Tive a grande tristeza, de quando locutor da Rádio Espinharas de Patos,receber a visita das professoras: Nazaré Duca, Inácia Meira, do motorista Cloves Dantas e outros, que levavam a notícia do acidente envolvendo o Pe Jerônima Lawen, pedí para comunicar ao Diretor da Emissora, na época, Pe.Assis, ele elaborou o aviso da morte do religioso santaluziense e eu lí. Foi muito triste, nunca esqueci àquele momento em que eu me preparava para o ano novo em Varzea. Gilberto Martins, locutor que anunciou a morte do Padre Jerônimo Lawen.
ResponderExcluirEm 31 de Dezembro de 1974, eu era locutor da rádio espinharas. Gilberto Martins, Locutor.
ResponderExcluirFoi ele quem reaproximou meu pai, Mário Ferreira, da igreja. Devagar, ele começou a frequentar nossa casa e mostrou a todos nós que havia outra igreja que se preocupava com os problemas sociais e preferia a simplicidade ao luxo.
ResponderExcluirPadre Jerônimo já tinha o espírito do que viria a se concretizar como a teologia da libertação pregada por D. José Maria Pires e D. Hélder Câmara. Sua batina surrada e puída, com colarinho encardido, era um sintomático sinal da diferença entre ele e seu antecessor, Padre Milton, de batina preta, botões reluzentes, impecável, que, nos sermões, só falava em dinheiro.
Por Carmélio Reynaldo Ferreira