(Jornal O Norte - Hugo Moura)
(Data desconhecida)
Dentre as manifestações popular ligadas a Quaresma se destaca o serra velho, hoje praticamente desaparecido, mas que já ocupou lugar de importância nos festejos da época.
Elemento integrante do folclore religioso, existe no Brasil, e (não somente aqui) ao lado do catolicismo nitidamente particular, por alguns autores denominado catolicismo rústico.
O "Serra Velho" ou "Serração de velha" é um remanescente da nossa herança portuguesa.
Assim escreve Luís Edmundo em "O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis".
"Não se pode afirmar, exatamente, como e quando vierem parar no Brasil as folias portuguesas da Serração da Velha. O que se sabe é que as crónicas coloniais do começo do século XVIII, já delas nos falam com entusiasmo, embora sem demasiada frequência.
Eram festas de rua, festas do poviléo dos raros sorrisos da cidade infeliz".
No CANCIONEIRO DO NORTE, Rodrigues de Carvalho quando se refere ao Serra velho, afirma "É uma variante das janeiras de Portugal" (pg. 84 - 3° ed.).
Aceitas as raízes portuguesas, um longo caminho tem que ser percorrido para determinar suas origens, o que ocorrer sempre que se pretende um estudo profundo do folclore e este caminho muito poucos têm condições de vencê-lo
Uma das melhores descrições da "SERRAÇÃO DA VELHA" é a de Luiz Edmundo, dele transcrevemos os trechos que se seguem... "nas ruas a patuleia influída organiza-se em bando para as folias atordoantes da Serração da Velha.
Esses conjuntos pitorescos de foliões sempre variam na sua apresentação luxuosa... ou modestamente se serrava, ainda, na indumentaria esfarrapada dos pobrezinhos com dois ou três instrumentos apenas como música.
O prestito larga ruidosamente ao som das músicas conhecidas e cantadas por todos:
Serre-se a velha
força no serrote,Serre-se a velha,
Dentro do pipote.
Seguindo as pegadas dos instrumentistas, vai um estrado tosco, rastefeito ao chão, e que se rola pousados sobre quatro rodas, curtas, mas fortes. No estrado está uma pipa em cujo interior - diz o povo - vai oculta uma velha condenada ao suplício do serrote.
Esta velha tem malícia,
Esta velha vai morrer;Venha surrar a velha,
Minha gente venha ver...
Conta-se que a ingenuidade feminina da época era tão grande que as velhas havia que se negavam, com insistência, isso pelas horas da passagem dos prestitos, tremulas, sucumbidas, medrosas, receando que a farandulagem das ruas as obrigasse a ir também no pipote, em charola, sofrer cruel suplício da serração.
Os cânticos são gritados, berrados em coro:
Serra, serra, serra a velha,
Puxa a serra, serrador,Que esta velha deu na neta
Por lhe ouvir falar de amor.
Serra, ai serra! serra a velha
Puxa - aí! puxa serrador
Serra a velha - ai, viva a neta
Que falou falas de amor
Serra! a pipa rija
Serra! - a velha é má;
Serra! - a neta é bela;
Serra! e serra já.
E o poeta então pergunta, perorando, já meio fatigado de voz:
Que castigo ela merece?
Dizei-me, senhores meus?
Entram as músicas, e logo o coro responde, alvoraçado e barulhento:
Serre-se a velha!
Força no serrote!
Serre-se a velha!
Dentro do pipote!
Na bibliografia folclórica da Paraíba encontramos a seguinte referência ao Serra Velho.
"Pela quaresma é o serra velho: um bando de vadios conduz barricas, serrotes e chocalhos, e às horas mortas estaciona à porta dos velhos mais rabujentos e jarretas, e improvisam versos picarescos, numa algazarra infernal, com exclamações, choros fingidos e tantas outras graçolas, supinamente agressivas a quem já desce os últimos barrancos da encosta da vida". (CANCIONEIRO DO NORTE, 3ª ed. pg. 84).
Visando evitar abusos a polícia proíbe o aparecimento do cortejo na quarta feira de trevas, dia em que ele vem à rua, não é novidade entretanto que sua exibição termine com atos de violência.
Lemos em "O TAMBIÁ DE MINHA INFÂNCIA" de Coriolano de Medeiros, página 42.
"Choviam pedradas nas portas e portões, e ouviam-se lamurias, as serrotagens, o ruído surdo de enxadas a cavacar, enfim toda cerimónia burlesca e ruidosa do serra velhos, não raras vezes epilogadas em conflitos sangrentos".
Já era assim no fim do século passado... (século XIX)¹.
Costume perpetuado através de gerações, o serra velho ocorre não somente na capital, mas também no interior, temos o registro a sobrevivência do serra velho Estado, desde o litoral até o sertão, sua presença, pode enfim, ser constada em todas as áreas culturais da Paraíba.
É entre a população rural que se manifesta com maior frequência a prática do "catolicismo popular" por razões várias, como sejam: a dispersão da população e sua extraordinária mobilidade, a falta de padres, etc". A função do catolicismo na sociedade rústica, brasileira, é antes social do que propiamente religiosa, assim se compreende que seja ampla sua área de difusão.
Sem pretendermos tirar conclusões seja de natureza nitidamente folclórica, sociológica ou outra, temos que ressaltar o carácter de manifestação ferina e de desapreço, como uma das características do serra velho.
Em José Lins do Rego se encontra mais uma referência ao fato, onde aparece os versos que todos conhecemos.
"Serra, serra, serrador
Serra a madeira de Nosso Senhor"
Em "FOGO MORTO" (pg. 243), está escrito:
"Uma noite, porém, todos já estavam agasalhados, depois das orações puxadas da quarta feira santa, quando se ouviu barulho no terreiro. Era gente, em conversa alta. E qual não foi a sua surpresa quando escutou um grito de deboche.
Pega a velha, vamos serrá-la. Lula, levantou-se sem saber o que era, e quis abrir a porta. Já se ouvia a serra na madeira, chiado de serrote, e a gritaria da canalha.
Serra a velha serrador
Era a maior miséria que podiam fazer. A canalha do Pilar passava por ali para fazer aquilo".
Assim era o serra velho, deboche da canalha, numa visão do romantismo paraibano.
¹ - Nota do autor.
Amigoooooo, simplesmente AMADOREI seu blog.
ResponderExcluirFicou perfeito.
O vídeo maneiríssimo e o vídeo me lembrou muuuiiito Xique-Xique, uma cidade do interior da Bahia.
As músicas de Luiz gonzaga me fizeram lembrar vááááárias coisas e eu fiz questão de "apresentar" Santa Luzia a meu pai, q assinou em baixo em dizer q a cidade se parece muito com o "nosso interior".
Vc está de PARABÉNS!!!!!
Bjux mil.