sábado, 21 de agosto de 2010

Que achei no monturo

Coversa no monturo

Tudo começou
no sítio que vovô tinha,
onde eu fazia as brincadeiras
quando era criancinha,
digo em rima e verso
tudo que no monturo tinha.

Um ninho de galinha,
as penas de um pavão,
uma urupemba sem aro,
um taxo e um caldeirão,
um cromo do ano passado,
e um emblema da seleção.

Tinha também lá no chão
um arremedo de mocò,
tranças de alho e cebola
tudo junto dado um nó,
tinha até um tamborete
quebrado com uma perna só.

Um retrato de Itó,
daquela outra eleição,
pavio de candeeiro,
uma ponteira de peão,
cacos de vidros coloridos,
espalhados pelo chão.

Existia um caixão
sem tranca nem fundo,
um frasco de biotônico
que dar força a todo mundo,
uma nota de 10 cruzeiros
com a cara de D. Pedro II.

Um paletó todo imundo,
também achei por lá,
gola suja de camisa,
retalhos de abada,
uma chapa sem os dentes,
corda velha e alguidá.
Jumento com caçuá


Tarisca de caçuá
as relíquias de uma novena,
uma peteca rasgada
sem o fundo nem as penas,
capa de uma Playboy
com uma linda morena.

Retrato de Airton Sena,
cangalha e arcão de sela,
couro cru só os tampos,
e alguns pedaços de tela,
casca de bala e anzol,
embira, correia e fivela.

Uma Philips... só a tela,
e um A.B.C. canarinho,
o vêio e o fuso,
de um velho moinho,
muitas tampas de garrafa,
e uns ossos bem branquinhos.
Encontrei garrafão de vinho,
uma caixa de colgate,
vidros de para brisa,
e papel de chocolate,
tampa de nescafé
e de extrato de tomate.

Tinha roi-roi e bate-bate,
alça de calcinha e sutian,
um tubo azulzinho
desses de pólvora tupã,
um pedal e um currupio,
muita cinza e pucunã.
Havia casca de romã,
pedaços de um LP,
troço velho e catrevagem
duas capas de CD,
uma tabuada rasgada
e uma carta do ABC.

Só vendo mesmo pra crer
o que um monturo tem,
aba de chapéu de couro,
prata velha de vintém,
um vidro de pitisqueiro
e peneira de xerém.Carteiras de cigarro.
Era desse jeito que nós crianças
brincavamos, para imitar dinheiro.



Carteira de cigarro também,
plaza, minister e continental,
um carretel sem linha,
tesoura enferrujada e um dedal,
ponta de prego e parafuso
espetado em um pau.

Neste mesmo local,
motor-rádio que não fala,
todo feito em baquelite,
e uma asseia de mala,
disco de cera de carnaúba
um cabo de bengala.

Chocalho que não badala,
cheia de ferrugem uma peixeira,
um rolamento velho e gripado,
pedaços velhos de esteira,
muitos palitos de fósforo,
e quatro acentos de cadeira.

Tábuas de prateleira,
e um silo havia ali
todo furado e seco,
escrito vermelho eu li
Estado da Paraíba
Governo Burity.

Não pude resisti
na hora fiquei contente,
quando intrupiquei
mais que de repente
pregado numa faixa azul,
uma velha cama-patente.

De um gato vi os dentes,
do cachorro a ossada,
caixa de fósforo Argos,
japonesa com a tira rasgada,
um par de sete-léguas
sem o cano e furada.

Um caco de enxada
e um machado corneta
emblema do Botafogo
pregado na cardeneta,
alguns cotoco de lápis
e pedaços da caneta.

Uma sandália xereta,
um quicé sem o surrão,
tiras de chita coloridas
de cambraia e mandapulão
lata de sardinha coqueiro
muitas tiras de cordão.

A história não acaba não
tem muita coisa pra dizer
acredite meus amigos,
no que digo a você
quem não acreditar
vá ou monturo ver.


Nota do autor:

Aqui dou por encerrado mais este relincho que cometo, ao retratar a infância de moleque pobre; digo, menino que gostava de bulinagem. Tal, como um passeio no monturo, tive literalmente de reviver e escrever; e lá estava ele com toda riqueza de material para ser transformada ou mais ecologicamente correto, ser reciclado. Reciclei-os em forma de trova e está aí o que fiz.

Tem as arestas do vernáculo que ainda estão por apará-las, não sei quando pois o português é bem cheio de coisas e normas, para a poesia são coisas d'alma (fica mais camoniano).

Havia mais outras tralharias velhas mas ficaria muito extensa e cansativa, embora hilaria como lata de pastilhas valdas, elixir sanativo, leite de magnésia, etc. Mas medicamentos velhos será outra estória.

Janduir Medeiros

Fotos: Acervo particular de Mário Ferreira
Montagens: Francisco Roberto


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