terça-feira, 3 de agosto de 2010

O Testamento de Judas

Meus estimados netos, bisnetos, tetranetos, e mais descendentes e afins. Eu, Judas Florêncio das Grandes Tormentas, condenado que estou pela minha covarde atitude, de vender Cristo, culpa agravada pelo mísero valor da transação - 30 dinheiros - em pleno gozo das minhas faculdades, antes de subir ao patíbulo, quero testamentar meus haveres - que são muitos - para o agrado dos meus beneficiados.
E, para evitar querelas entre os apaniguados, deixo como tudo como abaixo se relaciona:

Aos meus compadres amigos Mário e Alziva deixo estas terras ao nosso redor, terras que são férteis e, que sendo bem executadas, produzirão. E que dona Alziva tolere o marido por mais algum tempo.

Para Zé Mário, moço valoroso e trabalhador, deixo minha máquina de foliar formiga e a borracha d'água. Quero que, com a máquina, que é de tecnologia de última geração, possa combater a saúva no sítio. A borracha é também de fabricação ultra-moderna, gela e filtra em segundos.

Para Reynaldo, moço de muita capacidade e inteligência, a minha caneta de estimação. Com ela você poderá fazer seus escritos, os de maior valia.

A Marco Antônio, pessoa boa, vivo e esperto, deixo o meu chicote e o facão, peças raras de meu uso com os quais nunca perdi uma peleja.

Para a doutora Socorro, moça de muitas prendas, a fim de que possa aprimorar e embelezar seu consultório, deixo o meu porta canetas, obra de arte, já exposta nos grandes salões.

Para Lucinha, moça historiadora e muito prendada, deixo o meu Lunário Perpétuo para que ela, além de conhecedora do passado, possa, com ele, prognosticar também os tempos futuros.

Para Rosalba, moça valorosa, amada do marido, ciosa dos filhos, com muito apreço deixo o meu anel, jóia de grande valia com a qual sempre compareci aos grandes furdunços.

Ao Dr. Aderaldo, geólogo de muita fama e capacidade, deixo minha batéia. Com ela sempre peguei algum ouro. Deixo também essa barra-mina para que possa cavocar nas minas de mais encantos.

Para o Major Paulo, cavalariano de muita punjança e valor, deixo o meu loro com estribo, peça que sempre usei nas minhas grandes aventuras equestre. Deixo também esse chocalho do meu boi barbatão, para que o tenha sempre na garupa da sela.

Para Wandick, moço estimado e de boa índole, o meu tabaqueiro nada melhor para levantar o ânimo que umas nargadas de torrado.

Para Judith, minha prima de coração, deixo o meu cachimbo de estimação para que ela possa pitar nos momentos de cismas.

Ao Dr. Expedito da Dona Carmita, moço forte e valente que está sempre apressado, deixo a minha ampulheta, tecnologia de primeiro mundo, para que ele possa regular o seu tempo, não se atrasando nos seus horários.

Para Guido de Dona Lia, que ninguém chama de doutor, , moço bom, amigo dos amigos, advogado que não trabalha com leis, deixo esta miniatura da Constituição para que ele veja que há pouca diferença daquela em vigor.

Ao Dr. Jumar, moço manso, risonho e já carecando, deixo o meu chapéu para ele se proteger das grandes canículas.

Para a doutora Amazile, dentista de muita valia, deixo este compêndio, obra recém-publicada, para que ela aprimore os seus conhecimentos.

Para Loló e Rosália, de alcunha Casal Vinte, moços de muitas prendas, para que mais aperfeiçoem o seu já modesto consultório, deixo esse alicate, peça moderníssima de moldar coroa, e essa miniatura de dentadura para lhe servir de modelo.

A Jaime Dantas, moço que não gosta de gaita, deixo a minha broaca, embora sem nenhum recheio.

Para Zezé Araújo, moço novo, bem aquinhoado, político, amigo dos necessitados, deixo o meu peso de estimação para que ele possa aferir os seus, e essa trena para ele medir seus passos nos caminhos tortuosos da política.

Ao meu amigo e parente Cândido, deixo um dos meus canecos para que ele possa tomar a sua cerveja com mais gosto. E como ele está ingressando no ramo do leite, o meu funil que tantos anos usei coando leite.

Para Mário Neto, esse guri irrequieto, deixo essa chavinha para que, com ela, possa trancar o armário dos seus badaluques.

A Rafael, jovem forte caladão e curioso. deixo essa casa miniatura que, com suas aptidões, venha a montá-la.

Para as bonecas da festança, Natália e Lorena, porque não têm com que brincar, deixo as minhas calungas de estimação.

Para Chico Gomes e Netinha, meus descendentes de primeira geração, deixo com muito apreço o meu outro cachimbo e uma tigela de barro para que possam, com esses tesouros, aproveitar o que a vida tem para dar.
Para o Dr. Zé Eymard, pessoa de primeira grandeza, um homem sem falha, deixo a minha escultura cinzelada nos tempos em que andava palmilhando por esse mundão afora.

Às minhas queridas netas Carmem, Pretinha, Lígia, Lúcia, Luíza, Iza, Conceição, Teca, Maria do Carmo e Neném, que estão aí com cara de triste achando que não foram enxergardas, deixo para cada uma delas uma escolha a sua prenda. Peço, porém, que não vão aos muxições, com brigas na hora da escolha.

A Clodomiro caçador de muita fama e valia, deixo o meu polvarino e cartucheira, e que faça bom proveito.

Para Maria, a minha panela, para que ela possa cozinhar os quitutes de Dona Alziva.

A Amaury, moço apaixonado pelo futebol, deixo essa bola semelhante à Copa da França.

Para Chico Jacinto, moço bom trabalhador, que sempre atende nas horas certas, deixo a minha capa impermeável para que jamais fique na chuva, e esse belíssimo baralho com qual sempre ganhei todas as paradas.

Para toda mocidade linda aqui presente, deixo esse mundo bonito e cheio de promessas, para que gozem tudo dele enquanto têm punjança de vida. Que vivam e vivam muito, aproveitem cada momento, que a vida é curta e não se repete. Toda hora é hora para viver e ser feliz.

E, como pelo menos uma vez quero ser justo com todos, mando que o testamento faça um sorteio dos 30 dinheiros. E que ganhe o de mais sorte.


Judas Florêncio das Grandes Tormentas.


Mário Ferreira de Medeiros



Santa Luzia, Sítio Tapuyo; Semana Santa de 1995.

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